Marco Aurelio Neves Junior
Orientadora; Profª. Msª. Ana Paula Magno Pinto
RESUMO
O mito egípcio da criação do mundo é bem importante para o entendimento da cultura e
da religião desta civilização milenar, a versão Heliopolitana é a mais conhecida e também
a mais bonita delas. O objetivo deste trabalho é mostrar o quanto á religião e a mitologia
do antigo Egito e da humanidade pode ser belo e tentar explicar os diversos termos de
religião, aplicadas ao Antigo Egito e Mostrar que esta civilização poderia não ser politeísta
no sentido da palavra que entendemos hoje, ensinar conceitos de religião como
monoteísmo, politeísmo, monolatria, henolatria. Sem ela não entenderíamos o poder que
os faraós ganharam com o tempo, e a ascensão do clero de Amon em Heliópolis.
Palavras-chave: Egito, Mitologia, Heliópolis, Amon, Rá.
Hino a Râ quando se levanta
[Do Papiro de Hu-nefer(Museu Britânico Nº 9.901, folha 1).]
Texto: (1) HINO DE LOUVOR A RÂ QUANDO SE LEVANTA NA (2) PARTE ORIENTAL
DO CÉU.
Eis aqui está Osiris, Hu-nefer, (3) vitorioso, que diz:-
“Homenagem a ti, ó tu que és Râ quando te levantas (4) e Temu quando te pões.
Levantas-te, Levantas-te, brilhas, brilhas, (5) és coroado rei dos deuses. Senhor
do céu, [és] o senhor da terra; criador dos que habitam (6) nas alturas e dos que
habitam nas profundezas. [És] o Deus Uno surgido (7) no começo do tempo.
Criaste a terra, afeiçoaste o homem, (8) fizeste o abismo aqüífero do céu, formaste Hapi¹59, criaste o homem, fizeste o abismo das águas, (9) e dás vida a
tudo o que há dentro dele. Coseste as montanhas umas às outras, fizeste (10) a
humanidade e os animais do campo tomarem forma, fizeste os céus e a terra. Sê
adorado, ó tu que a deusa Maât abraça de manha e ao entardecer. Viajas pelo
céu com o coração inflado de alegria; o Lago de Testes (11) rejubila-se com isso.
O demônio serpente Nac caiu e seus dois braços estão cortados. O barco Sectet
recebeu ventos prósperos, e folga o coração de quem está no seu santuário. És
coroado (12) Príncipe do céu, és Uno dotado [de toda a soberania] que sais do
céu. Râ é vitorioso! Ó divino jovem, herdeiro da eternidade, que te geraste a ti
mesmo, que te deste à luz! Ó Uno (13), poderoso, de miríades de forma e
aspectos, rei do mundo, príncipe de Anu, senhor da eternidade e soberano da
perpetuidade, a companhia dos deuses exulta quando te levantas e navegas (14)
Pelo céu, ó tu que és exaltado no barco Sectet.”
“Homenagem a ti, Ámon-Râ, que repousa sobre Maât, e passas pelo céu, onde
todos os rostos te vêem. Ficas maior (15) à medida que tua Majestade avança, e
teus raios estão sobre todos os rostos. És desconhecido e nenhuma língua é
digna (?) de proclamar tua imagem; só tu [podes fazer isso]. És Uno,
precisamente como o (16) que trouxe a cesta tena. Louvam-te os homens em
teu nome [Râ], e juram por ti, pois és senhor deles. Ouves com teus ouvidos e
vês com teus olhos. (17) Milhões de anos passaram pelo mundo; não posso dizer
o número dos que passastes. Teu coração decretou um dia de felicidade em teu
nome de ‘viajante’. Passas (18) e viajas por espaços incontáveis [que requerem]
milhões e centenas de milhares de anos [para atravessar]; passas por eles em
paz, e diriges teu caminho pelo abismo das águas para o lugar que amas; fazes
isto num (19) momentozinho de tempo, depois afundas e pões fim às horas.”
Eis aqui está Osiris, o governador do palácio do senhor das duas terras, Hunefer,
vitorioso, diz: (20) “Salve, meu senhor, que passas através da eternidade,
cujo ser é eterno. Salve, Disco, Senhor dos raios de luz, levantas-te e fazes viver
toda a humanidade. Deixa que eu te contemple todos os dias ao tomper da
manhã.”60
Este texto que é datado da XIX Dinastia, cerca de 1375 a.e.c., escrita por Hu-Nefer,
um escriba do antigo Egito. Pertence ao livro dos mortos, que é o nome erroneamente
usado para designar o conjunto de fórmulas que apareciam em inúmeras sepulturas. O
nome em egípcio deste livro era (r nw prt m hrw), isso é,
capítulos do sair à luz. Esses textos formavam um guia de como o falecido deveria se
portar para conseguir chegar no outro mundo. O hino ao sol quando se levanta, presente
59 Hapi é a deusa que representa o rio Nilo.
60 BUDGE, E.A. Wallis. O livro egípcio dos mortos. Pensamento, São Paulo; 1923. Pg.125
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Neste papiro, mostra-nos a superioridade deste deus e nos faz refletir sobre a religião do
Egito antigo.
No começo dessa civilização não existia uma religião comum a todo país, tendo
cada pequeno território, suas próprias divindades particulares. Todo clã tinha suas
próprias crenças e seu próprio deus. Com o agrupamento destes e sua conscientização de
homogeneidade, o deus mais poderoso de uma cidade dominou as outras, permitindo a
estes deuses ampliarem seus domínios (politicamente e economicamente) com a
construção de templos. A organização do culto a esses deuses deu origem a religião no
Egito.
Os egípcios criaram um sistema religioso para explicar o nascimento ou origem do
mundo e assim, talvez, justificar suas crenças. Cada centro religioso elaborou uma
cosmogonia61. Uma das mais difundidas foi a de Heliópolis, que será analisada aqui; nela
intervinham nove deuses, desde a criação do mundo até o nascimento da monarquia.
A V
e VI dinastias que possui os mais antigos textos religiosos, provenientes de Sakkara, nos
provam que os egípcios imaginavam o que seria o universo antes da criação.
“Não existia ainda o céu, não existia ainda a terra, não existia ainda os homens,
os deuses ainda não haviam nascidos, não havia ainda a morte”.(Texto da
pirâmide de Pepi I).
No principio nada existia alem de Nu, uma alusão ao sagrado Nilo, em torno de Nu
reinavam o silêncio, as trevas e o caos. Nu foi criado em primeiro lugar pelo demiurgo, isto
é, o criador do mundo inferior, o Hibridismo. “tu criastes o nu”. (Papiro de Hunefer, museu
britânico);
“Tem que saiu do abismo”, ”Atum que existiu só no Nu” ou ainda “Eu sou o
único que criou o Nu”. (Livro dos mortos),
este Nu ainda se encontrava em repouso. Ele e
o próprio universo se confundiam, já que ele não passava de um grande espelho liquefeito
de água imparcial, que refletia o nada. Nunca fora construído templos para Nu,
61 Discrição hipotética da criação do mundo
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entretanto, encontra-se em diversos santuários um lago sagrado que simboliza a “nãoexistência”.
Um dia Nu desperta de seu sono profundo e começa a se mover, das profundezas
do mar revolto surge uma ilha, que seria o próprio Egito. Agora existe duas trevas ao invés
de uma, no centro desta pequena ilha brota uma flor de lótus, aquela pequena flor, frágil
e solitária faz surgir no universo seu primeiro momento de beleza, do centro da flor
lentamente começa a emanar finíssimos raio de luz, as pétalas do lótus se abre
lentamente, dele finalmente nasce uma nova divindade: Tem, Tum ou Atum, o principio
do Deus sol.
O lótus era um símbolo de esperança, salvação e renascimento. Assim, a oferenda
da flor de lótus era considerada um ato sagrado e, por isso, aparece freqüentemente na
arte, (sechen, em egípcio) simbolizava o brasão do alto Egito. A tendência característica
dessas flores, de crescer para fora da água, abrir as pétalas pela manha e fechá-las a noite,
pode ter inspirado este mito. O lótus em si foi mais tarde identificado com o Deus
Nefertum (cultuado em Mênfis), uma das mais belas representações pode ser admirada
no museu do Cairo, que mostra uma flor de lótus de madeira pintada com a cabeça do
Deus sol quando criança irrompendo no meio das pétalas. Este objeto foi encontrado no
vale dos reis, tratava-se de uma identificação iconográfica de Tutankhamon com Atum.
O
primeiro ato do criador, que culminou com a criação, extraído dele próprio o verbo Rá,
dando nascimento ao sol.
“Sou a alma divina de Ra que vem do Deus Nu, a divina alma que é Deus[...] Eu
dou forma a mim mesmo com o Nu. Eu sou luz[...] Eu chego grande alma, minha
alma e meu corpo são os ureaus; meu futuro é a eternidade[...] Eu sou a alma
criadora do abismo celeste, autor de sua morada na divina região inferior”.(
Livro dos mortos, Cap.: LXXXV).
Riscando o horizonte negro faz tudo se tornar claro, a luz é separada finalmente
das trevas. Assim que Ra vislumbra a beleza do mundo diante de seus olhos, deixa uma
gota de lagrima cristalina cair de seus olhos brilhantes, indo penetrar a terra dura e seca,
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dessa gota divina, um dia, surgirá a humanidade. Diz um texto: “Tudo o que existe saiu de
seus olhos e de sua boca”.
“Eu criei todas as formas com o que saiu da minha boca, quando não havia nem
céu, nem terra”.(Texto do papiro de Nesiansu).
“Eu sou Atum, que criou o céu, que modelou os seres saídos da terra, que fez
aparecer o grão semeado, senhor de tudo o que existe, que gera os deuses. O
grande (único) Deus que criou a si mesmo, senhor da vida, tudo que dá o frescor
(juventude) à enneada divina”.(papiro de Nu).
A associação de Atum vem antes da época do livro das pirâmides. “Ra” é uma
simples palavra para designar o Deus sol, indicando sua presença física no céu; Khepri é a
imagem do sol movido por um escaravelho, representava o Deus sol de manha ou daquele
que desaparece no horizonte e se prepara para atravessar a noite para renascer. O hábito
de empurrar bolas de esterco, próprio do escaravelho, foi comparado com o movimento
de Khepri ao girar o disco solar pelo céu. O seu nome significa “transformar-se”,
“suceder”, “nascer”; Heracti é o falcão pairando bem alto no horizonte, longe e distante
como o próprio sol. Os nomes se combinam: por exemplo Atum-Ra ou Heracti-Ra, cada
nome é uma tentativa de capturar um aspecto do deus sol criador. Na fonte a seguir, é
interessante perceber que no mito não existe uma preocupação com o real e nem com o
tempo, Nu continuava assombrando os egípcios, pois estes acreditavam que ele poderia
romper os céus e inundar a terra.
“Os deuses e as deusas provem de Nu” e Ra dirigindo-se a Nu fala: “Tu o mais
velho dos deuses, do qual sou oriundo”. Nu lhe responde: “Meu filho, Ra, maior
que seu pai e mais velho do que aquele que te criou”. (Papiro de Qenna).
“Túmulos serão as cidades e cidades se converterão em tumulos, onde manção
destruirá manção”.(Livro dos mortos, formula mágica 1130).
Ra fecha seus olhos e se dedica a criar outras divindades, ele cria Tefnut, a deusa
do vazio e Chu, o deus do ar, eles irão morar no firmamento. Pode-se perceber na
passagem do livro das pirâmides que o deus Atum se masturbou em Heliópolis:
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“Tomando seu falo em seu punho e ejaculando para gerar os gêmeos Chu e
Tefnut”. (Texto das pirâmides, declaração 527).
“E Tem disse: - Eis minha filha Tefnut, a chama vivente, que dividirá o leito com
seu irmão Chu. A ele eu chamei vida, ela se chama ordem. Vida e ordem
repousam juntos”. (Texto dos sarcófagos).
Chu é representado por uma pluma que tinha a leveza do ar, ele é o sopro de Ra.
Tefnut, por sua vez, significava o principio de Nut, é o pai da abobada celeste, ele
representa o vazio que o ar se propaga.
“Ra respirou e apareceu Chu; então Ra criou a deusa Tefnut”. (Papiro de Nu, cap.
130).
Do mito da criação arquitetado pelos sacerdotes de Heliópolis podemos observar
um inteligente vinculo entre as deidades cósmicas junto com os deuses e as deusas que
figuram na estória da transmissão da realeza. Ra deixou para o mundo uma nobre
descendência. Dentre elas estavam Geb, a terra, e Nut, o céu, contudo Ra estabeleceu que
a união deles dois jamais poderia ocorrer, proibindo assim nova geração divina desses
deuses. Geb “Filho de Deus e pai dos Homens”, era a personificação da vida concreta, a
primeira manifestação de ordem puramente material. Nut é a abobada celeste e também
aparece no panteão egípcio como a deusa criadora do universo físico e como a reguladora
do movimento dos astros. Foi adorada por todo o Egito, embora não tenha sido
encontrado qualquer templo dedicado a ela.
“... quando eu estava só e imóvel no Nu, e não tinha um lugar onde me erguer,
eu, Tum, me dirigi ao Nu e disse: - Que todos os meus membros sejam reunidos,
que Geb seja formado e que essa grande imensidão tenha um fim”. (Textos dos
sarcófagos).
A atitude de proibir a copulação entre Geb e Nut se deu por conta do medo do sol
de perder o poder absoluto que possuía. Entretanto no inicio dos tempos os dois filhos de
Ra se uniram, o poderoso Deus fica sabendo e manda separá-los. Eles permaneciam
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rigorosamente próximos, a terra vivia deitada sob o leito do mundo, enquanto o céu se
situava encurvada acima dele, apoiada somente na ponta dos dedos das mãos e dos pés.
Atum designa Chu, o ar, para impedir a união dos dois amantes, ele suspende com
seus braços o corpo de Nut, tirando-a do alcance de Geb. O céu em lamento, afastada de
seu amante, provoca lagrimas que acarretou em uma verdadeira inundação sobre o corpo
de Geb. Ra tinha sido claro, durante o ano inteiro eles seriam vigiados, essas palavras
fizeram Nut perceber que não sabia exatamente o significado da palavra ano. Resolve
então visitar o Deus mais sábio de todos.
Pede a seu pai Ra que a deixe visitar Thot, que a permite. Chegando lá, ela se
depara com o Deus escrevendo em um pergaminho, este estava terminando o calendário,
era de fato uma inédita maneira de se medir o tempo, poder-se-ia contabilizar o tempo
não mais pela mera alternância do dia e da noite. Thot era o deus da escrita, das
bibliotecas, da língua e senhor das palavras divinas. Representava a matemática, a
agrimensura, a astronomia e as ciências em geral, alem disso, era advogado e deus das
leis. Outra característica era ser uma divindade lunar, Como a lua era uma das bases do
calendário egípcio, Thot era o “contador dos anos” e o “senhor do tempo”, pois a ele se
atribuía a sua medição. Pelo fato de a lua substituir o sol durante a noite, na época baixa o
deus Thot era chamado “Atom de prata”.
O calendário religioso dividia o ano em três períodos de quatro meses e, estes, em
três décadas, cada uma presidida por uma constelação diferente, em um total de 360 dias.
Nut sabendo disso desafia Thot para um jogo, aquele que ganhar poderia fazer um pedido
ao outro. Thot aceita o desafio. Nut logo arruma um jeito de passar a perna em Thot,
mesmo ele sendo o inventor do jogo e das regras, ela não ficava atrás. Ganhando o jogo,
faz o pedido para que fossem acrescidos cinco dias ao calendário, Thot mesmo sem
entender aceita. Na realidade esses dias foram introduzidos no calendário para se
aproximar da duração real do ano, marcadas pelas cheias do Nilo, acrescentavam cindo
dias no fim do quarto mês, denominados epagômenos (“acrescentados”).
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Quando chega o 361º dia, Chu o deus do ar, foi obrigado a se afastar, já que sua
missão se limitava aos 360 dias que compunham o ano. Os próximos cinco dias não faziam
parte de ano algum. O que acarretou nesses cinco dias de amor foram quatro filhos: dois
homens e duas mulheres. Osíris, o primogênito, dizem que no instante que ele nasceu
uma grande voz ecoou no templo de Thot, em Tebas, profetizando o seu futuro glorioso; a
bela Isis; Seth que seria a desgraça de Osíris e a pouca expressiva Néftis.
Osíris e Isis simbolizam a força vivificante, o crescimento. Seth e Néftis a força
coagulante, endurecedora, que permite à matéria permanecer estável e imutável, e é
necessária a toda formação material, é a força involutiva.
A primeira geração de Ra eram Chu e Tefnut, esses dois deuses geraram a segunda,
Geb e Nut, que também são considerados filhos de Ra, a terceira geração simbolizava o
mundo dos vivos e sua ordem social. O tema da criação é representado freqüentemente
nos papiros funerários, pois julgava-se que, no além, os mortos convertiam-se em estrelas
e iriam para um lugar com um Nilo no céu e receberiam vida nova a cada manha com o
sol.
http://www.revistanearco.uerj.br/arquivos/numero10/8.pdf
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