22 de jan. de 2016

Amor sem julgamentos





Amor é a força mais suprema que revela e contém todas as outras forças benígnas do universo!!!
Se você não entende algo, não pense...
Deixe seu coração revelar a verdade,
Ela virá de forma natural como COMPREENSÃO
No amor, não existe julgamento..
O outro é um ser com sua própria histórias e razões!!

Antes de concluir de forma taxativa quanto as atitudes de alguém mergulhe em seu amor universal e entenderá o outro, sem Julgamentos!!!
Nestes não existe a presença do sentimento amoroso, só avesso dele!!!!!

Miliane Tahira​

13 de jan. de 2016

MITO EGIPCIO DA CRIAÇÃO DO MUNDO VERSÃO HELIOPOLITANA

MITO EGIPCIO DA CRIAÇÃO DO MUNDO VERSÃO HELIOPOLITANA

Marco Aurelio Neves Junior
Orientadora; Profª. Msª. Ana Paula Magno Pinto






RESUMO O mito egípcio da criação do mundo é bem importante para o entendimento da cultura e da religião desta civilização milenar, a versão Heliopolitana é a mais conhecida e também a mais bonita delas. O objetivo deste trabalho é mostrar o quanto á religião e a mitologia do antigo Egito e da humanidade pode ser belo e tentar explicar os diversos termos de religião, aplicadas ao Antigo Egito e Mostrar que esta civilização poderia não ser politeísta no sentido da palavra que entendemos hoje, ensinar conceitos de religião como monoteísmo, politeísmo, monolatria, henolatria. Sem ela não entenderíamos o poder que os faraós ganharam com o tempo, e a ascensão do clero de Amon em Heliópolis. 
Palavras-chave: Egito, Mitologia, Heliópolis, Amon, Rá. 


Hino a Râ quando se levanta [Do Papiro de Hu-nefer(Museu Britânico Nº 9.901, folha 1).] Texto: (1) HINO DE LOUVOR A RÂ QUANDO SE LEVANTA NA (2) PARTE ORIENTAL DO CÉU. 

Eis aqui está Osiris, Hu-nefer, (3) vitorioso, que diz:- “Homenagem a ti, ó tu que és Râ quando te levantas (4) e Temu quando te pões. Levantas-te, Levantas-te, brilhas, brilhas, (5) és coroado rei dos deuses. Senhor do céu, [és] o senhor da terra; criador dos que habitam (6) nas alturas e dos que habitam nas profundezas. [És] o Deus Uno surgido (7) no começo do tempo. Criaste a terra, afeiçoaste o homem, (8) fizeste o abismo aqüífero do céu, formaste Hapi¹59, criaste o homem, fizeste o abismo das águas, (9) e dás vida a tudo o que há dentro dele. Coseste as montanhas umas às outras, fizeste (10) a humanidade e os animais do campo tomarem forma, fizeste os céus e a terra. Sê adorado, ó tu que a deusa Maât abraça de manha e ao entardecer. Viajas pelo céu com o coração inflado de alegria; o Lago de Testes (11) rejubila-se com isso. O demônio serpente Nac caiu e seus dois braços estão cortados. O barco Sectet recebeu ventos prósperos, e folga o coração de quem está no seu santuário. És coroado (12) Príncipe do céu, és Uno dotado [de toda a soberania] que sais do céu. Râ é vitorioso! Ó divino jovem, herdeiro da eternidade, que te geraste a ti mesmo, que te deste à luz! Ó Uno (13), poderoso, de miríades de forma e aspectos, rei do mundo, príncipe de Anu, senhor da eternidade e soberano da perpetuidade, a companhia dos deuses exulta quando te levantas e navegas (14) Pelo céu, ó tu que és exaltado no barco Sectet.” “Homenagem a ti, Ámon-Râ, que repousa sobre Maât, e passas pelo céu, onde todos os rostos te vêem. Ficas maior (15) à medida que tua Majestade avança, e teus raios estão sobre todos os rostos. És desconhecido e nenhuma língua é digna (?) de proclamar tua imagem; só tu [podes fazer isso]. És Uno, precisamente como o (16) que trouxe a cesta tena. Louvam-te os homens em teu nome [Râ], e juram por ti, pois és senhor deles. Ouves com teus ouvidos e vês com teus olhos. (17) Milhões de anos passaram pelo mundo; não posso dizer o número dos que passastes. Teu coração decretou um dia de felicidade em teu nome de ‘viajante’. Passas (18) e viajas por espaços incontáveis [que requerem] milhões e centenas de milhares de anos [para atravessar]; passas por eles em paz, e diriges teu caminho pelo abismo das águas para o lugar que amas; fazes isto num (19) momentozinho de tempo, depois afundas e pões fim às horas.” Eis aqui está Osiris, o governador do palácio do senhor das duas terras, Hunefer, vitorioso, diz: (20) “Salve, meu senhor, que passas através da eternidade, cujo ser é eterno. Salve, Disco, Senhor dos raios de luz, levantas-te e fazes viver toda a humanidade. Deixa que eu te contemple todos os dias ao tomper da manhã.”60 

Este texto que é datado da XIX Dinastia, cerca de 1375 a.e.c., escrita por Hu-Nefer, um escriba do antigo Egito. Pertence ao livro dos mortos, que é o nome erroneamente usado para designar o conjunto de fórmulas que apareciam em inúmeras sepulturas. O nome em egípcio deste livro era (r nw prt m hrw), isso é, capítulos do sair à luz. Esses textos formavam um guia de como o falecido deveria se portar para conseguir chegar no outro mundo. O hino ao sol quando se levanta, presente 59 Hapi é a deusa que representa o rio Nilo. 60 BUDGE, E.A. Wallis. O livro egípcio dos mortos. Pensamento, São Paulo; 1923. Pg.125 111 

Neste papiro, mostra-nos a superioridade deste deus e nos faz refletir sobre a religião do Egito antigo. No começo dessa civilização não existia uma religião comum a todo país, tendo cada pequeno território, suas próprias divindades particulares. Todo clã tinha suas próprias crenças e seu próprio deus. Com o agrupamento destes e sua conscientização de homogeneidade, o deus mais poderoso de uma cidade dominou as outras, permitindo a estes deuses ampliarem seus domínios (politicamente e economicamente) com a construção de templos. A organização do culto a esses deuses deu origem a religião no Egito. Os egípcios criaram um sistema religioso para explicar o nascimento ou origem do mundo e assim, talvez, justificar suas crenças. Cada centro religioso elaborou uma cosmogonia61. Uma das mais difundidas foi a de Heliópolis, que será analisada aqui; nela intervinham nove deuses, desde a criação do mundo até o nascimento da monarquia. 
A V e VI dinastias que possui os mais antigos textos religiosos, provenientes de Sakkara, nos provam que os egípcios imaginavam o que seria o universo antes da criação. 

“Não existia ainda o céu, não existia ainda a terra, não existia ainda os homens, os deuses ainda não haviam nascidos, não havia ainda a morte”.(Texto da pirâmide de Pepi I). 

No principio nada existia alem de Nu, uma alusão ao sagrado Nilo, em torno de Nu reinavam o silêncio, as trevas e o caos. Nu foi criado em primeiro lugar pelo demiurgo, isto é, o criador do mundo inferior, o Hibridismo. “tu criastes o nu”. (Papiro de Hunefer, museu britânico); 
“Tem que saiu do abismo”, ”Atum que existiu só no Nu” ou ainda “Eu sou o único que criou o Nu”. (Livro dos mortos), 

este Nu ainda se encontrava em repouso. Ele e o próprio universo se confundiam, já que ele não passava de um grande espelho liquefeito de água imparcial, que refletia o nada. Nunca fora construído templos para Nu, 61 Discrição hipotética da criação do mundo 112 entretanto, encontra-se em diversos santuários um lago sagrado que simboliza a “nãoexistência”. Um dia Nu desperta de seu sono profundo e começa a se mover, das profundezas do mar revolto surge uma ilha, que seria o próprio Egito. Agora existe duas trevas ao invés de uma, no centro desta pequena ilha brota uma flor de lótus, aquela pequena flor, frágil e solitária faz surgir no universo seu primeiro momento de beleza, do centro da flor lentamente começa a emanar finíssimos raio de luz, as pétalas do lótus se abre lentamente, dele finalmente nasce uma nova divindade: Tem, Tum ou Atum, o principio do Deus sol. O lótus era um símbolo de esperança, salvação e renascimento. Assim, a oferenda da flor de lótus era considerada um ato sagrado e, por isso, aparece freqüentemente na arte, (sechen, em egípcio) simbolizava o brasão do alto Egito. A tendência característica dessas flores, de crescer para fora da água, abrir as pétalas pela manha e fechá-las a noite, pode ter inspirado este mito. O lótus em si foi mais tarde identificado com o Deus Nefertum (cultuado em Mênfis), uma das mais belas representações pode ser admirada no museu do Cairo, que mostra uma flor de lótus de madeira pintada com a cabeça do Deus sol quando criança irrompendo no meio das pétalas. Este objeto foi encontrado no vale dos reis, tratava-se de uma identificação iconográfica de Tutankhamon com Atum. 
O primeiro ato do criador, que culminou com a criação, extraído dele próprio o verbo Rá, dando nascimento ao sol. 

“Sou a alma divina de Ra que vem do Deus Nu, a divina alma que é Deus[...] Eu dou forma a mim mesmo com o Nu. Eu sou luz[...] Eu chego grande alma, minha alma e meu corpo são os ureaus; meu futuro é a eternidade[...] Eu sou a alma criadora do abismo celeste, autor de sua morada na divina região inferior”.( Livro dos mortos, Cap.: LXXXV). 

Riscando o horizonte negro faz tudo se tornar claro, a luz é separada finalmente das trevas. Assim que Ra vislumbra a beleza do mundo diante de seus olhos, deixa uma gota de lagrima cristalina cair de seus olhos brilhantes, indo penetrar a terra dura e seca, 113 dessa gota divina, um dia, surgirá a humanidade. Diz um texto: “Tudo o que existe saiu de seus olhos e de sua boca”. 
“Eu criei todas as formas com o que saiu da minha boca, quando não havia nem céu, nem terra”.(Texto do papiro de Nesiansu). 
“Eu sou Atum, que criou o céu, que modelou os seres saídos da terra, que fez aparecer o grão semeado, senhor de tudo o que existe, que gera os deuses. O grande (único) Deus que criou a si mesmo, senhor da vida, tudo que dá o frescor (juventude) à enneada divina”.(papiro de Nu). 
A associação de Atum vem antes da época do livro das pirâmides. “Ra” é uma simples palavra para designar o Deus sol, indicando sua presença física no céu; Khepri é a imagem do sol movido por um escaravelho, representava o Deus sol de manha ou daquele que desaparece no horizonte e se prepara para atravessar a noite para renascer. O hábito de empurrar bolas de esterco, próprio do escaravelho, foi comparado com o movimento de Khepri ao girar o disco solar pelo céu. O seu nome significa “transformar-se”, “suceder”, “nascer”; Heracti é o falcão pairando bem alto no horizonte, longe e distante como o próprio sol. Os nomes se combinam: por exemplo Atum-Ra ou Heracti-Ra, cada nome é uma tentativa de capturar um aspecto do deus sol criador. Na fonte a seguir, é interessante perceber que no mito não existe uma preocupação com o real e nem com o tempo, Nu continuava assombrando os egípcios, pois estes acreditavam que ele poderia romper os céus e inundar a terra. “Os deuses e as deusas provem de Nu” e Ra dirigindo-se a Nu fala: “Tu o mais velho dos deuses, do qual sou oriundo”. Nu lhe responde: “Meu filho, Ra, maior que seu pai e mais velho do que aquele que te criou”. (Papiro de Qenna). “Túmulos serão as cidades e cidades se converterão em tumulos, onde manção destruirá manção”.(Livro dos mortos, formula mágica 1130). 
Ra fecha seus olhos e se dedica a criar outras divindades, ele cria Tefnut, a deusa do vazio e Chu, o deus do ar, eles irão morar no firmamento. Pode-se perceber na passagem do livro das pirâmides que o deus Atum se masturbou em Heliópolis: 114 
“Tomando seu falo em seu punho e ejaculando para gerar os gêmeos Chu e Tefnut”. (Texto das pirâmides, declaração 527).
“E Tem disse: - Eis minha filha Tefnut, a chama vivente, que dividirá o leito com seu irmão Chu. A ele eu chamei vida, ela se chama ordem. Vida e ordem repousam juntos”. (Texto dos sarcófagos). Chu é representado por uma pluma que tinha a leveza do ar, ele é o sopro de Ra. Tefnut, por sua vez, significava o principio de Nut, é o pai da abobada celeste, ele representa o vazio que o ar se propaga. “Ra respirou e apareceu Chu; então Ra criou a deusa Tefnut”. (Papiro de Nu, cap. 130). 

Do mito da criação arquitetado pelos sacerdotes de Heliópolis podemos observar um inteligente vinculo entre as deidades cósmicas junto com os deuses e as deusas que figuram na estória da transmissão da realeza. Ra deixou para o mundo uma nobre descendência. Dentre elas estavam Geb, a terra, e Nut, o céu, contudo Ra estabeleceu que a união deles dois jamais poderia ocorrer, proibindo assim nova geração divina desses deuses. Geb “Filho de Deus e pai dos Homens”, era a personificação da vida concreta, a primeira manifestação de ordem puramente material. Nut é a abobada celeste e também aparece no panteão egípcio como a deusa criadora do universo físico e como a reguladora do movimento dos astros. Foi adorada por todo o Egito, embora não tenha sido encontrado qualquer templo dedicado a ela. “... quando eu estava só e imóvel no Nu, e não tinha um lugar onde me erguer, eu, Tum, me dirigi ao Nu e disse: - Que todos os meus membros sejam reunidos, que Geb seja formado e que essa grande imensidão tenha um fim”. (Textos dos sarcófagos). 
A atitude de proibir a copulação entre Geb e Nut se deu por conta do medo do sol de perder o poder absoluto que possuía. Entretanto no inicio dos tempos os dois filhos de Ra se uniram, o poderoso Deus fica sabendo e manda separá-los. Eles permaneciam 115 rigorosamente próximos, a terra vivia deitada sob o leito do mundo, enquanto o céu se situava encurvada acima dele, apoiada somente na ponta dos dedos das mãos e dos pés. Atum designa Chu, o ar, para impedir a união dos dois amantes, ele suspende com seus braços o corpo de Nut, tirando-a do alcance de Geb. O céu em lamento, afastada de seu amante, provoca lagrimas que acarretou em uma verdadeira inundação sobre o corpo de Geb. Ra tinha sido claro, durante o ano inteiro eles seriam vigiados, essas palavras fizeram Nut perceber que não sabia exatamente o significado da palavra ano. Resolve então visitar o Deus mais sábio de todos. Pede a seu pai Ra que a deixe visitar Thot, que a permite. Chegando lá, ela se depara com o Deus escrevendo em um pergaminho, este estava terminando o calendário, era de fato uma inédita maneira de se medir o tempo, poder-se-ia contabilizar o tempo não mais pela mera alternância do dia e da noite. Thot era o deus da escrita, das bibliotecas, da língua e senhor das palavras divinas. Representava a matemática, a agrimensura, a astronomia e as ciências em geral, alem disso, era advogado e deus das leis. Outra característica era ser uma divindade lunar, Como a lua era uma das bases do calendário egípcio, Thot era o “contador dos anos” e o “senhor do tempo”, pois a ele se atribuía a sua medição. Pelo fato de a lua substituir o sol durante a noite, na época baixa o deus Thot era chamado “Atom de prata”. 

O calendário religioso dividia o ano em três períodos de quatro meses e, estes, em três décadas, cada uma presidida por uma constelação diferente, em um total de 360 dias. Nut sabendo disso desafia Thot para um jogo, aquele que ganhar poderia fazer um pedido ao outro. Thot aceita o desafio. Nut logo arruma um jeito de passar a perna em Thot, mesmo ele sendo o inventor do jogo e das regras, ela não ficava atrás. Ganhando o jogo, faz o pedido para que fossem acrescidos cinco dias ao calendário, Thot mesmo sem entender aceita. Na realidade esses dias foram introduzidos no calendário para se aproximar da duração real do ano, marcadas pelas cheias do Nilo, acrescentavam cindo dias no fim do quarto mês, denominados epagômenos (“acrescentados”). 116 Quando chega o 361º dia, Chu o deus do ar, foi obrigado a se afastar, já que sua missão se limitava aos 360 dias que compunham o ano. Os próximos cinco dias não faziam parte de ano algum. O que acarretou nesses cinco dias de amor foram quatro filhos: dois homens e duas mulheres. Osíris, o primogênito, dizem que no instante que ele nasceu uma grande voz ecoou no templo de Thot, em Tebas, profetizando o seu futuro glorioso; a bela Isis; Seth que seria a desgraça de Osíris e a pouca expressiva Néftis. Osíris e Isis simbolizam a força vivificante, o crescimento. Seth e Néftis a força coagulante, endurecedora, que permite à matéria permanecer estável e imutável, e é necessária a toda formação material, é a força involutiva. A primeira geração de Ra eram Chu e Tefnut, esses dois deuses geraram a segunda, Geb e Nut, que também são considerados filhos de Ra, a terceira geração simbolizava o mundo dos vivos e sua ordem social. O tema da criação é representado freqüentemente nos papiros funerários, pois julgava-se que, no além, os mortos convertiam-se em estrelas e iriam para um lugar com um Nilo no céu e receberiam vida nova a cada manha com o sol. 




http://www.revistanearco.uerj.br/arquivos/numero10/8.pdf

6 de jan. de 2016

Conceituação de Mito em uma abordagem analítica

Considerações sobre o inconsciente: mito, símbolo e arquétipo na psicologia analítica

Considerations about the uncounscious: myth, symbol and archetype in analitical psychology

Consideraciones sobre el inconsciente: mito, símbolo y arquetipo en la psicología analítica


Carlos Augusto Serbena
Universidade Federal do Paraná



RESUMO
Este artigo realiza uma discussão teórica entre C. G. Jung e outros autores visando relacionar e esclarecer aspectos dos conceitos de mito, símbolo e arquétipo. Partindo do conceito de inconsciente coletivo e de arquétipo da obra de Jung, mostra as duas formas de funcionamento da psique: racional e causal para o ego e imagética e analógica para o inconsciente. Assim, os arquétipos podem ser considerados como categorias da imaginação e se expressam de forma simbólica, exigindo uma abordagem compreensiva e qualitativa e exercendo função de mediação entre os opostos por meio de uma dinâmica redundante e repetitiva, mas aperfeiçoadora. Esse dinamismo aparece nos ritos, a repetição ao nível comportamental, e nos mitos, uma narrativa simbólica que marca o inicio do processo de racionalização dos símbolos. Se esse processo se aprofunda, o símbolo se conforma a signo, perdendo seu caráter vivencial e de mediar oposições. A excessiva valorização da racionalidade no pensamento moderno leva a desconsiderar o símbolo e, desse modo, o sujeito perde a possibilidade de mediar as oposições experienciadas na sua existência como entre si próprio e o mundo, sentindo sua vida vazia e sem significado.
Palavras-chave: Mito; Símbolo; Arquétipo; Sentido; Rito.

ABSTRACT
This article conducts a theoretical discussion between C. G. Jung and other authors to relate and clarify aspects of the concepts of myth, symbol and archetype. On the concept of collective unconscious and archetype of the work of Jung, shows both forms of operation of the psyche: rational and causal to the ego and imaginal and analogic to the unconscious. Thus, the archetypes can be considered as categories of the imagination and are expressed in symbolic form, requiring a comprehensive, qualitative and acting role of mediation between the opposing dynamics through a redundant and repetitive, but improved. This dynamic appears in the ritual, the repetition behavioral level, and in myths, than are a symbolically narrative that mark the beginning of the process of rationalization of symbols. If this process is deepening, becomes the symbol sign and loses its experiential nature and ability to mediate conflicts. The excessive exploitation of rationality in modern thought leads to ignore the sign and thus the person loses the ability to mediate the conflicts experienced in its existence as between himself and the world, feeling their lives empty and meaningless.
Keywords: Myth; Symbol; Archetype; Meaning, Ritual.

RESUMEN
Este artículo realiza una discusión teórica entre C. G. Jung y otros autores pretendiendo relacionar y aclarar aspectos de los conceptos de mito, símbolo y arquetipo. Partiendo del concepto de inconsciente colectivo y de arquetipo de la obra de Jung, muestra las dos formas de funcionamiento de la psique: racional y causal para el ego e imagética y analógica para el inconsciente. De esa manera, los arquetipos pueden ser considerados como categorías de la imaginación y se expresan de forma simbólica, exigiendo un abordaje comprensivo y cualitativo y ejerciendo una función de mediación entre los opuestos por medio de una dinámica redundante y repetitiva, pero perfeccionadora. Esta dinámica aparece en los ritos, en la repetición en el nivel de comportamiento, y en los mitos, una narración simbólica que marca el inicio del proceso de racionalización de los símbolos. Si ese proceso se profundiza, el símbolo se transforma en signo, perdiendo su carácter vivencial y de mediar oposiciones. La valorización excesiva de la racionalidad en el pensamiento lleva a desconsiderar el símbolo y de esa manera, el sujeto pierde la posibilidad de mediar las oposiciones experimentadas en su existencia entre él y el mundo, sintiendo su vida vacía y sin significado.
Palabras clave: Mito; Símbolo; Arquetipo; Sentido; Rito.



Introdução
O psiquiatra suíço C. G. Jung (1875-1961) foi um dos principais integrantes do movimento psicanalítico em sua fase inicial, sendo inclusive o primeiro presidente da associação internacional que reunia os psicanalistas. Divergiu de Freud1 inicialmente sobre o conceito de libido, tomando-a de forma mais ampla que a conceituação sexual e, posteriormente, principalmente sobre a noção do inconsciente. O rompimento entre ambos foi selado na publicação do livro de Jung (1924/1986) “Símbolos da Transformação” no qual ele explicita suas diferenças teóricas com Freud. Basicamente, Jung amplia o conceito de libido, que passa a ser uma energia psíquica geral e não apenas de caráter sexual, como Freud a conceitua; a visão da psique e do inconsciente se modifica, pois ela passa a não ser “uma página em branco” no nascimento e o inconsciente amplia-se incluindo uma camada constituída de estruturas e imagens comuns a toda a humanidade (os arquétipos) que se manifestam nos sonhos, mitos, religiões e contos de fadas. Devido a isso, o método de análise de casos individuais modifica-se, incluindo-se comparações dos sonhos e fantasias com elementos da mitologia universal, além das associações pessoais.
Na sua concepção, o inconsciente possui uma amplitude muito maior que a consciência, sendo o ego apenas uma pequena parte da psique. Considera que a psique é constituída por elementos inconscientes originados de várias fontes, inicialmente do indivíduo até esferas mais coletivas e impessoais, pois o indivíduo está inserido em uma família, que faz parte de uma cultura ou etnia, que por sua vez é da espécie humana. Assim, os elementos de experiências inconscientes do indivíduo, apenas, formam o inconsciente pessoal; aquelas compartilhadas com a família ou a etnia, o inconsciente familiar ou étnico e, por último, os elementos inconscientes comuns a todos os indivíduos da espécie humana, o inconsciente coletivo (Jung, 1951/2000).
Devido a essa concepção ampliada de psique em Jung, pois inclui uma esfera coletiva e transcendente, ocorrem mudanças na concepção de consciência. Postula-se a existência da consciência do ego ou egóica que equivale à consciência no sentido do senso comum e da terminologia tradicional; e uma consciência ampliada, relativa à totalidade dos processos inconscientes e arquetípicos. Isso ocorre porque o inconsciente possui uma autonomia em relação ao ego, opera com muitas percepções que nem alcançam a consciência egóica e possui certas estruturas de imagens e comportamentos, os arquétipos, relativos a determinadas situações típicas e que funcionam como uma espécie de sabedoria instintiva e automática (Jung, 1924/1986; Whitmont, 1991).
Isto é importante porque a consciência egóica opera principalmente pelo raciocínio causal e lógico, mas a consciência ampliada do inconsciente funciona por meio de analogias, associações e semelhança, sendo essencialmente imagética. Assim, o relacionamento entre o consciente e o inconsciente opera principalmente por meio da imagem e da imaginação. Jung conceitua que a psique opera basicamente de duas formas diferentes, mas complementares: pelo inconsciente por meio da analogia e pela consciência por meio da lógica ou raciocínio analítico, assim o pensamento analógico é a forma do inconsciente operar. Este modo é visto nos sonhos, nas fantasias, no pensamento mítico.
Este pensamento não requer esforço, afasta-se da realidade para fantasias do passado e do futuro. Aqui termina o pensamento em forma de linguagem, imagem segue imagem, sensação segue sensação (...) trabalha sem esforço, espontaneamente, com conteúdos encontrados prontos e é dirigido por motivos inconscientes (...) afasta-se da realidade, liberta tendências subjetivas e é improdutivo em relação à adaptação (Jung, 1986, p. 16).
É um engano interpretar os produtos do pensamento analógico (sonhos, imagens, fantasias, mitos) dentro do campo da lógica analítica e linear, pois os critérios de verdade são diferentes, assim como sua estrutura e discurso. Se isso acontece, ocorre então a desvalorização dos símbolos, de sua função e introduz-se uma fonte de desequilíbrio na psique, pois eles fazem a conexão entre a consciência e o inconsciente.
A consciência é vista como menor que o inconsciente, estando inserida dentro da psique. O próprio conceito de inconsciente, como todos os fenômenos psíquicos desconhecidos da consciência, remete à sua amplitude desconhecida. O ser humano está cindido por natureza, entre consciente e inconsciente, entre uma realidade externa e objetiva e uma realidade interna e subjetiva. O pensamento analítico corresponderia a um direcionamento para a realidade externa e o pensamento analógico para a realidade interna.
Isso é claramente expresso na forma do sonho, sendo todo ele simbólico, como uma fábula da existência do sonhador e operando por meio de analogias. O inconsciente se manifesta simbolicamente e a consciência (ou ego) para acessar o seu inconsciente deve interpretar a mensagem que é expressa simbolicamente. A desvalorização da linguagem simbólica implica na desvalorização do inconsciente e da realidade subjetiva da psique (Jung, 1927/1985a).
É importante salientar que, segundo Jung (1949/1991), o símbolo é a melhor expressão possível de algo relativamente desconhecido, pois ele representa por imagens, experiências e vivências que incluem aspectos conscientes e inconscientes, isto é, desconhecidas da consciência. Como tal, o símbolo participa e existe sob a forma vivencial e experiencial, sendo impossível de ter seu significado esgotado ou determinado, possibilitando estabelecer múltiplas relações e analogias. Se um símbolo perde seu caráter “mágico”, isto é, de atrair a atenção psíquica, pode-se dizer que não é mais um símbolo. A utilização excessiva do símbolo tende a reduzi-lo a indicador de um conceito ou de uma realidade material e este indicador não opera mais como símbolo e sim como signo. A degradação do símbolo em signo tem como exemplo os manuais do sonho que trazem guias e significados para cada figura ou imagem que aparece. Esta degradação implica em um empobrecimento da psique do indivíduo, pois reduz a multivocidade do símbolo na univocidade do signo, ou seja, a riqueza simbólica é reduzida a uma representação unívoca. Se algo é ou não símbolo, vai depender do ponto de vista e da atitude do indivíduo que contempla.
O símbolo pode realizar a mediação entre as diversas antinomias e oposições do sujeito, materializadas em uma oposição e relação entre o consciente e o inconsciente. Esta oposição provoca uma atividade inconsciente que se manifesta de forma simbólica com uma função de compensação desta oposição. Assim, o símbolo tem uma função de equilíbrio da psique como um todo. Entretanto, ele é criativo, pois o símbolo que surge deste dinamismo pode conter ou ser um fundamento que unifica os opostos (Jung, 1949/1991, §903). Deste modo, ele “esclarece a libido inconsciente pelo ‘sentido’ consciente que lhe dá, mas lastreando a consciência através da energia psíquica que veicula a imagem” (Durand, 1998, p. 63). Entretanto, esta mediação apenas ocorre quando há uma atitude participativa e receptiva por parte do indivíduo que deste modo permite a atuação da “função transcendente” do símbolo.
Sendo oriundos de estruturas arquetípicas, os símbolos representam situações e temas típicos e recorrentes da existência humana, tal como o nascimento, a morte, o casamento e a luta pela sobrevivência entre tantos outros e, deste modo, possuem uma constância de temas e significados, pois o arquétipo é uma estrutura do inconsciente, uma constante antropológica, como o denomina Maffesoli (2003, 2004). O inconsciente possui, então, uma parte pessoal que se refere às experiências pessoais do sujeito e uma parte impessoal composta pelos arquétipos, denominada de inconsciente coletivo. Ele
(...) parece se constituir de motivos mitológicos ou imagens primordiais, razão pela qual os mitos de todas as nações são seus reais representantes. De fato, a mitologia como um todo poderia ser tomada como uma espécie de projeção do inconsciente coletivo (...). Portanto, podemos estudar o inconsciente coletivo de duas maneiras: ou na mitologia ou na análise pessoal (Jung, 1924/1986, §325).
Os arquétipos são “estruturas básicas e universais da psique, os padrões formais de seus modos de relação são padrões arquetípicos” (Hillman, 1992, p. 22). O arquétipo pode ser utilizado como elemento ou base conceitual para compreender e explorar todos os tipos de experiências nas quais a função criativa da imaginação esteja presente, isto é, imaginais. Isto ocorre devido ao fato do arquétipo manifestar-se ou atuar simultaneamente em vários níveis ou estratos; como imagem, como padrão de percepção ou filtro da realidade e como um afeto ou impulso. Por exemplo, se o padrão arquetípico materno está constelado na psique, há a imagem da mãe, existindo então uma vontade ou impulso para comportamentos e atitudes de cuidado a outras pessoas e, desse modo, uma tendência a perceber o mundo sob a ótica do cuidado.
Existem vários arquétipos na mente humana, relacionados principalmente a situações típicas da existência humana: nascimento, morte, casamento, doenças e outros (Jung, 1950/1988). Jung levanta a hipótese de que eles se constituíram pela repetição do tema por várias gerações. O arquétipo não é acessível diretamente, mas apenas por suas manifestações: biológica, em padrões de comportamento, e psíquica, em imagens, representações e produções humanas formando um substrato comum à humanidade.
Este substrato comum é denominado inconsciente coletivo ou psique objetiva, pois sua existência é independente do ego e da subjetividade de cada indivíduo. Ele se formou pela repetição de comportamentos frente a determinadas situações semelhantes entre si ao longo das diversas gerações e durante a formação dohomo sapiens, tornando-se um fundo psíquico comum à humanidade. O inconsciente coletivo e os arquétipos seriam os depositários deste repertório comportamental acumulado, porém não são os comportamentos, mas estruturas ou padrões de comportamento. Eles fazem parte da natureza humana universal, independente do tempo e das culturas.
A psique objetiva se manifesta essencialmente por imagens, emoções e impulsos. A expressão do inconsciente realiza-se de maneira não racional e pré-lógica. As relações entre as imagens e a realidade não são de causa e efeito, mas de similaridade e contiguidade, a lógica que prevalece é analógica. Desse modo e colocando que o inconsciente opera por analogia e imagens, “estas imagens devem ser consideradas como se apresentassem descrições de nós mesmos, ou de nossas situações inconscientes, na forma de analogias ou parábolas” (Whitmont, 1991, p. 35).
A Psicologia Analítica considera que a energia psíquica por detrás das imagens e símbolos é denominada libido, que na realidade é apenas uma metáfora ou um construto operacional para possibilitar um entendimento dos processos psíquicos. Desse modo, o termo “libido” resume fundamentalmente o laço afetivo entre o sujeito e um objeto fora do mesmo, indicando apenas a motivação ou inclinação desse sujeito em direção a este objeto. Operacionalmente, a libido pode ser descrita em dois aspectos complementares, o regressivo e o progressivo. O aspecto regressivo é orientado para dentro do próprio sujeito, suas fantasias, memória e sua história pregressa e o aspecto progressivo orienta-se para fora do sujeito, para os objetos externos, para os projetos e o tempo futuro (Jung, 1957/1985c).
Estes aspectos devem ser relativizados, pois o ego seria apenas a parte da psique responsável pela intermediação entre o mundo externo e a realidade interna. A realidade interna consiste de vários níveis, conforme já explicitado. Ela inicia-se pelo ego, pelo inconsciente pessoal, e estruturas inconscientes cada vez mais coletivas (família, etnia e humanidade). No aspecto regressivo, a percepção do símbolo passaria, então, inicialmente por um determinante pessoal, até significados cada vez mais coletivos e cada vez mais carregados de energia psíquica (motivação), até chegar ao inconsciente coletivo.
No aspecto progressivo a energia psíquica se dirige para fora, para o objeto externo. O objetivo é modificar a realidade externa, cultural ou material. A energia não segue um fluxo livre, mas segue uma finalidade de desenvolvimento mais amplo que apenas os objetivos do ego, mas visando integrar o consciente com o inconsciente.
Pode-se observar um padrão na atuação da psique que corresponde a um movimento em direção à constituição de uma totalidade que abrange tanto o inconsciente quanto o consciente, ultrapassando a separação entre o ego e o inconsciente. Inclusive a relação entre a libido e os seus processos regressivos, isto é, o movimento da libido em direção aos objetos internos da psique, e progressivo, direcionamento da libido a objetos externos da psique, estão submetidos a esta busca da totalidade. Ela envolve tanto a transformação da atitude do ego (regressão) como a realização de tarefas no mundo externo (progressão). Este processo implica em uma transformação dos símbolos envolvidos; aqueles que inicialmente tinham significados individuais ou específicos passam a adquirir uma conotação mais ampla, ligando o indivíduo a uma totalidade cada vez maior como com a família, a etnia e o cosmos (Jung, 1954/1985b).
Na psique há o predomínio das imagens e os arquétipos podem ser considerados como categorias da imaginação, isto é, “no domínio da mente o instinto [arquétipo] é percebido como imagens, no domínio do comportamento, as imagens são desempenhadas como instinto. O comportamento é sempre a encenação de uma fantasia” (Hillman, 1981, p. 197). O arquétipo deve ser pensado associado a padrões de imagens e de comportamentos, pois a imagem sem comportamento é vazia e sem sentido e o comportamento sem imagem é cego. Em termos teóricos, o correto é distinguir arquétipo de imagem arquetípica, pois o arquétipo em si é irrepresentável e aparece à psique sob a forma de uma imagem arquetípica. Entretanto costuma-se utilizar os dois termos indistintamente, mas deve estar clara esta distinção.
A abordagem destas categorias de imaginação, arquétipos ou imagens arquetípicas pede, não um levantamento empírico, mas uma “compreensão” da personalidade do sujeito a partir da vivência do mesmo, assim o termo “compreensão” está “implícito em todos os demais e situa a abordagem de Jung mais da tradição das psicologias da compreensão (Dilthey, Nietzsche, Jaspers) do que as psicologias que são explicatórias, descritivas” (Hillman, 1981, p. 193).
Os arquétipos também, tal como as situações, sentimentos e representações dos indivíduos, não estão separados rigidamente, existindo sempre a possibilidade de relação entre os símbolos, pois eles se interpenetram. Circulando ao longo dos temas, expressando, equilibrando e unificando os contrários, eles são sempre pluridimensionais, bipolares e ligados com a experiência totalizante possibilitada pela função transcendente e seu dinamismo integrador (Chevalier & Gheerbrant, 1989, p. XXV). Esse aspecto fica mais saliente porque os arquétipos não possuem conteúdo pré-determinado, atuando como padrões estruturais na mente humana que devem ser preenchidos com conteúdos da experiência individual do sujeito, a qual é social, cultural e historicamente localizada. Assim:
(...) eles [os arquétipos] só são determinados em sua forma e assim mesmo em grau limitado. Uma imagem primordial [arquétipo] só tem conteúdo determinado a partir do momento em que se torna consciente e é, portanto, preenchida pelo material da experiência consciente (Jung, 1961/1987, p. 352).
Esse conceito foi elaborado por Jung a partir da observação de muitos temas repetidos em mitologias, contos de fada, literatura universal e nos sonhos e fantasias de seus pacientes. Ele observou que as imagens que apareciam se relacionavam principalmente com situações comuns da existência humana tais como o nascimento, a iniciação social, o relacionamento sexual e afetivo e perdas, entre outros; existindo assim tantos arquétipos quantas são as situações típicas da existência humana e formando substrato psíquico comum a toda humanidade.
Ele é um conceito limite, pois não é acessível diretamente, mas apenas por suas manifestações em padrões de comportamento, em imagens, representações e produções humanas que são semelhantes e, desse modo, o conjunto dos arquétipos forma um substrato comum à humanidade denominado inconsciente coletivo ou psique objetiva. Essa última denominação mostra que a sua existência é independente do ego e da subjetividade de cada indivíduo manifestando-se essencialmente por imagens, emoções e afetos, de maneira não racional e pré-lógica, por meio de relações de similaridade e de contiguidade, com lógica analógica e não de causa e efeito. Assim, há na psique um padrão atuante e que corresponde a uma totalidade que abrange tanto o inconsciente quanto o consciente. Ele envolve tanto a transformação da atitude do ego (regressão) como a realização de tarefas no mundo externo (progressão). Este processo implica em uma transformação dos símbolos envolvidos, onde inicialmente tinham significados individuais ou específicos e passam a adquirir uma conotação mais ampla, relacionando o indivíduo a uma totalidade cada vez maior: família, etnia e cosmos (Jung, 1950/1988).
Este dinamismo ocorre pela repetição e redundância da vivência do símbolo e da sua expressão. Uma vez que seu significado é inesgotável e irrepresentável de forma lógica, o esclarecimento e a construção do sentido ou significado do símbolo ocorrem pela circulação ao redor de um centro, com redundância e repetições cada vez mais aproximadas e carregadas de significado, sendo comparável a um movimento em espiral. Deste modo, “o conjunto de todos os símbolos sobre um tema esclarece um símbolo, uns através dos outros” (Durand, 1998, p. 17).
Esta “redundância aperfeiçoadora” socialmente é visível principalmente nos rituais e nos mitos, pois os rituais são a atuação concreta ou expressão comportamental da dinâmica dos símbolos e arquétipos por meio da repetição de comportamentos e gestos e os mitos são a expressão discursiva na forma oral ou escrita da redundância das relações linguísticas e lógicas entre idéias e imagens significativas ou simbólicas (Durand, 1998). Observa-se que o discurso metafórico dos mitos é a linguagem fundamental dos arquétipos (Hillman, 1992, p. 23).
Deste modo, o símbolo e o seu dinamismo possuem várias funções. Inicialmente exploratória, investigando e exprimindo “o sentido da aventura espiritual dos homens, lançados através do espaço-tempo” (Chevalier & Gheerbrant, 1989, p. XXVIII), representando e exprimindo o mundo percebido e vivido pelo sujeito em sua totalidade psíquica consciente e inconsciente e também substituindo conteúdos e vivências afetivas impossibilitadas de serem vividas, quer pela realidade ou pela atitude consciente. Esta expressão, representação e substituição possibilitam a mediação entre os opostos e elementos separados na experiência do indivíduo, unificando e condensando em uma imagem dotada de sentido e significado a totalidade da experiência humana em todos os seus níveis, isto é, nos campos sociais, cósmicos, religiosos e psíquicos, incluindo a consciência e o inconsciente. Deste modo, ele pode exercer uma função pedagógica e terapêutica, gerando um sentimento e sensação de participação em uma totalidade ou transcendência respondendo às múltiplas necessidades humanas. Esta participação no mundo material e humano acarreta a função socializante do símbolo, pois coloca o indivíduo em comunicação com a totalidade social. Imerso no meio social, ligado à cultura e à experiência individual, o símbolo está vivo e atuante. Nesta atuação e por meio da imaginação, ele é uma forma de relação entre os conteúdos internos, as vivências psíquicas e as percepções do mundo exterior e onde estes se combinam, refletem um ao outro, gerando uma “ressonância” entre si e possibilitando o aprofundamento do indivíduo na experiência pessoal e na vivência em sua totalidade.
Esse processo ocorre no mundo interno do indivíduo, por meio de suas fantasias e imaginação e, muitas vezes, não pode ser percebido objetivamente. Desse modo, ele corre o risco de ser ignorado ou desvalorizado, pois há uma confusão entre a dimensão mítica e a dimensão utilitária do simbolismo, com a dimensão mítica sendo reduzida à utilitária (Durand, 1984). Esse processo de desvalorização epistemológica do imaginário, dos produtos simbólicos e do próprio símbolo vem ocorrendo desde Aristóteles e permeia a racionalidade ocidental desde Descartes. Isto está ligado à identificação do conceito de indivíduo com a razão, “o espírito é pensado segundo as modalidades da experiência objetiva: a res cogitans é considerada segundo o método da res extensa (...) e nisto reside a alienação fundamental.” (Durand, 1984, p. 14).
Nesse contexto, o símbolo é reduzido a um signo ou sinal, quando é qualitativamente diferente dos mesmos. O signo é constituído pela fórmula: significado/significante. O símbolo, diferentemente do significante único do signo, possui o significante ao mesmo tempo: a) cósmico: retira sua imagem do mundo ao redor; b) onírico: faz referência a nossas imagens e sentimentos pessoais que se manifestam nos sonhos; c) poético: manifesta-se na linguagem. O seu significado é indizível e não representável, mas aberto. Ele pode ser designado (ter como significante) por qualquer objeto. O símbolo possui uma redundância, isto é, seu significado se manifesta por meio de todos os objetos. Esta repetição (redundância) se realiza ao redor de um centro e possui um caráter de aperfeiçoamento e aproximação, mas nunca alcança o significado, pois este é irrepresentável. Assim o conjunto de todos os símbolos sobre um tema determinado esclarece os próprios símbolos. A redundância simbólica acaba por se manifestar nos rituais e a redundância linguística é significativa dos mitos. A redundância linguística é a repetição de frases, palavras ou uma estrutura que contenha um sentido. O símbolo pode ser definido como: “(...) signo que remete a um indizível e invisível significado, sendo assim obrigado a encarnar concretamente esta adequação que lhe escapa, pelo jogo das redundâncias míticas, rituais, iconográficas que corrigem e completam inesgotavelmente a inadequação” (Durand, 1998, p. 19).
Desse modo, uma importante manifestação dos símbolos é o mito, pois ele é uma narrativa formada pelo encadeamento das imagens e dos símbolos, abrangendo as narrativas que legitimam as religiões ou cultos, a lenda, o conto popular e a narrativa romanesca. O sentido simbólico dos termos e o encadeamento da narrativa são importantes para o mito. O nível simbólico ou arquetípico é formado sobre a equivalência da forma dentro das estruturas das imagens. O mito “nunca é uma notação que se traduza ou decodifique, mas sim presença semântica e, formado de símbolos, contém compreensivamente seu próprio sentido” (Durand, 1997, p. 357), reduzir o mito ao semiológico (terreno do signo) é empobrecê-lo, pois o mito está no terreno semântico (do símbolo).
O mito é um início de racionalização da experiência simbólica na forma de narrativa, exprimindo um esquema ou um conjunto deles, na qual os símbolos traduzem-se em palavras e os arquétipos em idéias, conceitos, esquemas de pensamento e visões racionais do mundo. Este fato, o mito estar relacionado com a origem da racionalidade, e sendo o pensamento lógico um atributo do ego, costuma-se identificar a consciência mítica com o uma fase do processo de constituição da consciência egóica.
No entendimento da Psicologia Analítica, na origem do psiquismo consciente, existe um estado de identidade e fusão entre o consciente e o inconsciente, estando ambos ligados e inseparáveis. Existe um estado de participação mítica (participation mistyque), isto é, um modo pré-lógico no qual não haveria uma distinção sentida entre o sujeito e objeto e o pensamento estaria sujeito aos afetos e a influência dos objetos externos. Esse conceito foi formulado inicialmente por Lévy-Bruhl (1857-1939) na sua obra Les fonctions mentales dans les sociétés inférieures de 1910. Assim, a participação mítica seria o estado inicial da psique humana na criança, um estado de identidade original, cuja superação seria fundamental para qualquer processo de desenvolvimento psicológico, mas que se traduz fenomenologicamente por uma percepção de ligação com os objetos, de participação no mundo, ou seja, o mundo aparece encantado com magia e pleno de significados e com “alma”.
Assim, o mito, tal como é conceituado pela Psicologia Analítica e pelos antropólogos e estudiosos da religião como Joseph Campbell (1992, 1990) e Mircea Eliade (1977, 1991) não é uma fuga da realidade, uma fantasia ou fabulação primitiva, mas uma realidade viva e uma forma de se colocar e de atribuir sentido ao mundo e que permanece atuante no mundo moderno (Serbena, 1999). Ele satisfaz as necessidades simbólicas e de significado da psique e atua como pano de fundo no sendo comum e no conhecimento científico, especialmente nas ciências humanas e do senso comum (Gusdorf, 1953/1980; Serbena & Raffaelli, 2003). Inclusive pode-se falar de uma consciência constituída a partir do mito, a consciência mítica.
Nesse sentido diferencia-se consciência mítica como uma forma de ser no mundo e uma experiência específica da realidade - a experiência mítica (Gusdorf, 1953/1980). Esse fenômeno psicológico aparece também na conceituação psicanalítica mais moderna com o termo “identificação projetiva”, descrevendo um processo em que o sujeito projeta uma parte de sua personalidade em um objeto externo que então é experimentado como uma parte de si ou como o conteúdo projetado (Samuels, Shorter & Plaut, 1988). A identidade não deve ser confundida com identificação, pois ela é um processo inconsciente, no qual o indivíduo não toma ciência do fato dele e do objeto serem separados e age como se existisse uma ligação, como se fossem inseparáveis. A identificação é uma imitação, inconsciente ou não, de uma pessoa ou objeto, na qual o indivíduo reconhece a separação entre ele e o objeto e, por consequência, ele não se percebe idêntico ao objeto; a identificação é um processo normal (Whitmont, 1991).
Em termos da dinâmica da psique, o símbolo, e por consequência os processos simbólicos relacionados ao mito, possibilitam a circulação de energia psíquica através do meio externo, do consciente e do inconsciente atuando em um dinamismo integrador, estabelecendo conexões entre forças psíquicas e objetos opostos e antagônicos. Deste modo, ele opera como uma função transcendente, pois por seu intermédio ocorre uma transcendência ou superação destas oposições e conflitos pela transformação dos seus conteúdos e da energia psíquica que estava retida neles.
O símbolo, a imaginação simbólica e seu dinamismo possibilitam, então, uma diferenciação e desenvolvimento da consciência pela integração dos opostos em direção a uma totalidade (Chevalier & Gheerbrant, 1989, p. XIX) e uma integração com o mundo que já existia no início do desenvolvimento do psiquismo individual e no contato vital com o inconsciente. Deste modo, o Iluminismo e o pensamento moderno, ao eliminar o transcendente do mundo, efetua - como descreve tão bem Nietszche - a morte de Deus, transformando o dinamismo vivo e integrador do símbolo do processo lógico e instrumental do signo, intensificando a ação do homem no mundo, mas banindo o encantamento do mundo e perdendo a sua “alma”.

Referências
Campbell, J. (1990). O Poder do mito. São Paulo: Palas Atena.
Campbell, J. (1992). As Máscaras de Deus: mitologia primitiva. São Paulo: Palas Athena.
Chevalier, J., & Gheerbrant, A. (1989). Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio.
Durand, G. (1984). Exploração do imaginário. Em D. P. R. Pita (Org.), O Imaginário e a simbologia da passagem(p. 35-42). Recife: Massangana.
Durand, G. (1997). Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes.
Durand, G. (1998). A Imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix e EDUSP.
Eliade, M. (1977). Tratado da história das religiões. Lisboa: Ed. Cosmos.
Eliade, M. (1991). Mito e Realidade. São Paulo: Perspectiva.
Gusdorf, G. (1980). Mito e Metafísica: introdução a filosofia. São Paulo: Convívio. (Originalmente publicado em 1953).
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Hillman, J. (1992). Psicologia arquetípica. São Paulo: Cultrix.
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Jung, C. G. (1986). Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1924).
Jung, C. G. (1988). Aion: estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1950).
Jung, C. G. (1991). Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1949).
Jung. C. G. (2000). Arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes. (Originalmente publicado em 1951).
Lévy-Bruhl, L. (1910). Les Fonctions Mentales dans les Sociétés Inférieures. PUF, Paris.
Maffesoli, M. (2003). O Instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk.
Maffesoli, M. (2004). Parte do diabo: resumo da subversão pós-moderna. Rio de Janeiro: Record.
Samuels, A., Shorter, B., & Plaut, F. (1988). Dicionário crítico de análise junguiana. Rio de Janeiro: Imago.
Serbena, C. A & Raffaelli, R. (2003). Psicologia como disciplina científica e discurso sobre a alma: problemas epistemológicos e ideológicos. Psicologia em Estudo (Maringá), 8(1), 31-37.
Serbena, C. A. (1999). Temas arquetípicos nas histórias em quadrinhos do Batman. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
Whitmont, E. (1991). A Busca do símbolo: conceitos básicos de psicologia analítica. São Paulo: Cultrix.

Endereço para correspondência
Departamento de Psicologia - Universidade Federal do Paraná
Praça Santos Andrade, nº 50, sala 215 (Ala Alfredo Buffren)
CEP 80.060.240 - Curitiba, PR
Email: caserbena@yahoo.com
Recebido em 25.06.09
Primeira Decisão Editorial em 12.09.09
Aceito em 20.12.09


Carlos Augusto Serbena - Possui graduação em Engenharia Elétrica e em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina. É Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná.
1 O relacionamento tumultuado entre Freud e Jung aparece nos volumes das correspondências completas e uma análise sucinta deste relacionamento, das divergências teóricas e influências recíprocas pode ser visto em Davis (2002).

2 de jan. de 2016

Sinopse do Evento Fragmentos Históricos e Emoções Desveladas


Mais um evento que nasce da escuta atenta ao coração e alma das alunas. 
Em 2015-2 foram trabalhados textos, ritmos, músicas e aspectos históricos que juntos desvelaram emoções capazes de reintegrar, rememorar e desvelar histórias de vida...

 A maioria das fotos são frutos dos olhares sensíveis de Dani Dezembro e Emilie Oriá. Alunas lindas de dança do ventre e talentosas fotografas em inicio de carreira..

Além das fotos o evento e das criações coreográficas coletivas contou com a produção de todo o grupo e o apoio de familiares e da Academia de Dança Adalgisa Academia de Dança Adalgisa Rolim.

Arte visual para divulgação - Thayza Vinhas







Buffet e ornamentação - Coletiva
Torta - Adriana Lôbo



Telas expostas: Maria Mello e Mel Vieira
Textos escritos: Virginia Oria 



Coreografia Percussão 1 - melancolia assertiva- Inana Vieira e Maria Mello(bailado) , percussionistas: Helia Pinto e Virginia Oria (pandeiro), Mel Vieira (derback), Rani Oliveira,Adriana Lobo, Adriana Andrade, Dani Dezembro (snujs) - Supervisão - Miliane Tahira


Coreografia Percussão 2 - alegria assertiva- Helia Pinto, Virginia Oria, Rani Oliveira, Adriana Lobo (bailado) percussionistas: Maria Mello (pandeiro), Mel Vieira (derback),, Adriana Andrade, Dani Dezembro, Inana Vieira (snujs) - Supervisão e participação especial - Miliane Tahira





Coreografia Percussão 3 - passionalidade assertiva- Adriana Andrade, Dani Dezembro e Mel Vieira (bailado) , percussionistas: Helia Pinto, Maria Mello e Virginia Oria (pandeiro), Inana Vieira (derback), Rani Oliveira,Adriana Lobo (snujs) - Supervisão - Miliane Tahira.



Coreografia Assertividade - Adriana Andrade,Maria Mello, Dani Dezembro, Inana Vieira ,Helia Pinto , Virginia Oria , Rani Oliveira,Adriana Lobo, Mel Vieira (bailado) - Coreografia e Supervisão - Miliane Tahira.





Coreografia Melancolia - Rani Oliveira e Maria Mello (bailado e coreografia) Supervisão - Miliane Tahira.





Coreografia Alegria - Inana Vieira e Mel Vieira- bengala. Adriana Lobo, Virginia Oria e Helia Pinto - pandeiro (bailado) - coreografia: Miliane e alunas Supervisão - Miliane Tahira.





Coreografia Passionalidade - Adriana Andrade e Dani Dezebro (bailado e coreografia) Supervisão - Miliane Tahira.





Miliane Tahira - Coreografia Integrando e reconhecendo as emoções





Roteiro e Direção artística - Miliane Tahira
DJ - Artur.

Bailarinas convidadas: Ana Zahira - Coreografia Vibração



Tarira Mistral - Coreografia Extase