Origem:
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Na mitologia iorubá o deus
supremo é Olorun, chamado também de Olodumare. Não aceita oferendas, pois
tudo o que existe e pode ser ofertado já lhe pertence, na qualidade de criador
de tudo o que existe, em todos os nove espaços do Orun.
Olorum criou o mundo, todas as
águas e terras e todos os filhos das águas e do seio das terras. Criou plantas
e animais de todas as cores e tamanhos. Até que ordenou que Oxalá criasse o homem.
Oxalá criou o homem a partir do
ferro e depois da madeira, mas ambos eram rígidos demais. Criou o homem de
pedra - era muito frio. Tentou a água, mas o ser não tomava forma definida.
Tentou o fogo, mas a criatura se consumiu no próprio fogo. Fez um ser de ar que
depois de pronto retornou ao que era, apenas ar. Tentou, ainda, o azeite e o
vinho sem êxito.
Triste pelas suas tentativas
infecundas, Oxalá sentou-se
à beira do rio, de onde Nanã emergiu indagando-o sobre a
sua preocupação. Oxalá fala
sobre o seu insucesso. Nanã mergulha e retorna da profundeza
do rio e lhe entrega lama. Mergulha novamente e lhe traz mais lama. Oxalá, então, cria o homem e percebe
que ele é flexível, capaz de mover os olhos, os braços, as pernas e, então,
sopra-lhe a vida.
Iorubá
MITOLOGIA
IORUBÁ
UM
ENCONTRO COM A ALMA DA MÃE-ÁFRICA
Por:
Marilu Martinelli
Atualmente na África as
religiões tribais têm perdido terreno para o cristianismo e principalmente para
o islamismo. O cristianismo é praticado no sul da África e na parte
setentrional do continente. Ao sul do deserto do Saara o predomínio é do
islamismo, religião que está em crescente expansão, abrangendo vários países
africanos. Para encontrar a alma da Mãe-África temos que buscar as raízes
ancestrais da relação dos diferentes povos que a habitam com o sagrado e
transcendente. A Mãe-África abriga no seu seio muitos mitos e deuses, assim
como diferentes povos e costumes. O culto sagrado dos nagôs (iorubás), dentre
os outros povos que aportaram nas Américas, foi o que mais se sobressaiu pela
beleza ritualística e riqueza simbólica do seu panteão mítico. Foi a tradição
espiritual que permaneceu mais preservada desde a diáspora africana até o novo
mundo rumo ao infame trabalho escravo. O culto aos orixás, deuses iorubás,
nasceu na Nigéria, Daomé e Togo. Nas Antilhas, Cuba e no Brasil este culto
permanece vivo e apesar do sincretismo e dos preconceitos raciais, sociais e
religiosos, conseguiu sobrepujar sanções e opressões institucionais pela força
mágica e mística da tradição.
O termo iorubá aplica-se
a um grupo étnico e linguístico de milhões de indivíduos, e denomina hoje um
povo, um idioma, uma cultura e uma nação. Eles têm unidade lingüística, de
valores e crenças, além da identidade cultural e uma origem comum, a cidade de
Ifé. Iorubá é a denominação de uma nação, grande país unificado que compreende
cinco regiões: Oyó, Egbwa, Ibarupa, Ijebu e Ijexá. Embora hoje em dia o culto
aos orixás tenha certa uniformidade devido aos amálgamas progressivos com
outras crenças e ritos vindos de diferentes pontos do território africano; entre
os nagôs-iorubás na África não existe um panteão hierarquizado e único. Existem
variações locais, onde certos orixás, que ocupam posição dominante numa região,
podem ser menos importantes numa outra ou mesmo ignorados, porém coexistem
pacificamente sem disputas religiosas.
Os Orixás no Brasil
Os navios negreiros
trouxeram, cruzando o oceano Atlântico durante mais de 350 anos, um enorme
contingente de cativos negros para servir como mão-de-obra a ser utilizada nos
canaviais, cafezais, plantações de fumo etc. Com os escravos vieram também a
sua cultura, seus valores, hábitos alimentares e comportamentais de modo geral,
sua religião, cosmologia e mitologia. Sem sombra de dúvida a mão-de-obra
africana constituiu o embrião da economia brasileira, e como a tradição
africana orienta que os deuses de uma terra estrangeira devem ser louvados, as
primeiras etnias “bantu” e “angola” assimilaram a pajelança indígena. Os índios
foram vistos por eles como os donos da terra onde aportaram e a reverência à
Mãe-Terra e ao sagrado era um traço comum a ambas as culturas. Os africanos
influenciaram profundamente a formação da nossa cultura; criaram novos
costumes, introduziram na cozinha brasileira as verduras, diversos cereais e
legumes, e os pratos que são consagrados aos orixás hoje fazem parte da
culinária nacional. Eles adoçaram também o idioma amaciando a linguagem com
suas expressões idiomáticas: “dengo”, “banzo”, “kalundú”, “cafuné”,
“xamego”,“quindim”, “xodó”, somente para citar algumas, e os diminutivos
carinhosos e criativos como “pipi”, “cocô” , “nhônhô”, “nhanhá”, “neném”,
“ioiô”, “Iaiá”, e outros tantos. Eles também enriqueceram as nossas artes e
folguedos populares, e contribuíram com a medicina natural para curas físicas e
espirituais devido ao conhecimento mágico ancestral sobre as ervas e raízes
medicinais.
O culto aos orixás era
proibido para os negros e temido pelos brancos e a religião católica dominante,
que aceitava o tráfico escravagista e tentava converter os negros cativos ao
cristianismo para “salvar” suas almas das “trevas”. Batizavam os escravos e
davam-lhes nomes cristãos, embora impedissem que eles frequentassem as igrejas,
quando convertidos. Esses escravos convertidos, ao conquistar a alforria,
construíam suas próprias igrejas para poder adorar Jesus e os santos. Os navios
negreiros costumavam ter nomes de santos como Nossa Senhora da Conceição, Santo
Antônio, São José, Sant’Ana e outros. São José, segundo Pierre Verger, recebeu
por volta de 1757 a posição de “protetor particular dos homens de negócios que
se dedicam ao tráfico de negros na Costa da Mina” (Os Orixás, pág 24). Por
incrível que pareça, os traficantes de escravos tinham a consciência tranquila
e fé na proteção divina para sua atividade abominável, e como se não bastasse,
acreditavam ser dignos de recompensas divinas e materiais, por isso chegaram a
solicitar em 1808 benesses ao rei de Portugal, devido aos esforços dispensados
nesse tipo de atividade. A ganância e arrogância os conduziram à irreverência,
à impiedade e à degradação, o que contribuiu para a visão simplista,
utilitarista e distorcida do sagrado, que é a base da civilização iorubá.
O Sincretismo
Os escravos despistavam
os seus senhores para poder praticar seus rituais de adoração aos orixás,
“voduns” ou aos seus “inkissi”, como os bantus e angolas, outras etnias
importantes entre os escravos denominam seus deuses. Utilizavam os nomes dos
santos católicos nas louvações, mas na verdade evocavam seus orixás de devoção.
Não se sabe exatamente quando esse sincretismo se estabeleceu, porém há
indícios de que os iorubás procuraram encontrar identidade de atributos dos
diferentes orixás com os atributos dos santos cristãos. Os santos católicos,
dessa maneira, se tornavam mais compreensíveis para os escravos convertidos, e
os demais, fieis à sua tradição original, viam nesse estratagema uma
possibilidade de efetivamente dissimular suas verdadeiras crenças e praticá-las em segurança. A adoração aos orixás permitia que a
identidade essencial e cultural do escravo fosse preservada. Embora o indivíduo
fosse tratado como propriedade do seu senhor, sem vontade própria, como “yaô”
(iniciado), durante os rituais, quando incorporava seu orixá, ele era o veículo
escolhido para que um deus se expressasse. Incorporar um deus lhe restituía a
dignidade humana e divina porque reavivava sua memória ancestral, cultural e
racial. Interessante notar que com o passar do tempo, apesar dos preconceitos
raciais e sociais, africanos e brancos se miscigenaram e o número de mestiços
foi se tornando cada vez maior, e estes foram educados respeitando e
freqüentando tanto as crenças e rituais cristãos quanto africanos. A despeito
da repressão policial e das confrarias religiosas e ordens da Igreja Católica,
que dividiam as etnias africanas, os escravos, libertos ou não, se reagrupavam
e praticavam, em locais mais distantes dos centros urbanos, o culto aos orixás.
Nasciam assim os primeiros Ilês (terreiros de candomblé) e o sincretismo
cultural afro-brasileiro.
O CANDOMBLÉ - RITUAIS E CULTOS SAGRADOS
Um grupo de mulheres,
antigas escravas libertas, que pertenciam à Irmandade de Nossa Senhora da Boa
Morte da Igreja da Barroquinha, em Salvador-Bahia, tomou a iniciativa de criar
um Ilé (terreiro de candomblé africano no Brasil). Na África, os cultos são
efetuados em terrenos de chão batido, em locais escolhidos pelos sacerdotes e
sacerdotisas por seus poderes mágicos, onde o magnetismo do planeta se
apresenta poderosamente ativado. Candomblé é uma palavra que deriva de
candombe, uma dança coletiva, e foi o nome escolhido no Brasil para definir a
forma e o local onde os africanos deveriam cultuar seus orixás durante os
“xirês” (reuniões sagradas).
No início do século XIX,
três dessas mulheres viajaram para a África e permaneceram em Kêto sete anos;
quando voltaram, trouxeram o “axé” (poder mágico) dos seus ancestrais, e
fundaram o terreiro de candomblé “Ilê Iyanassô” (conhecido até hoje em Salvador
como Casa Branca do Engenho Velho, onde reinou soberana a primeira ialorixá –
sacerdotisa - brasileira, Mãe Senhora. A celebrada Mãe Menininha do Gantois, do
Ilê Axé Opô Afonjá foi a última descendente direta dessa linhagem. Os cultos
africanos eram praticados clandestinamente e quem os frequentava era perseguido
pela polícia, fosse negro ou branco.
É importante salientar
que as mulheres desempenham no Brasil um papel especial de liderança nesta
tradição. Detentoras do conhecimento ancestral de sua raça, elas transmitiam e
transmitem até hoje os conhecimentos e preceitos sagrados conservados com fidelidade
extrema. O conhecimento sagrado é transmitido para suas filhas e filhos, quer
de sangue quer de “santo” (orixá), visando a continuidade da tradição, e
preservando a identidade cultural e espiritual do seu povo.
O candomblé no Brasil
atua como uma comunidade solidária e unida pelo serviço aos orixás, e muitos
mantêm entidades filantrópicas de assistência a crianças carentes e outros
serviços sociais. A falta de conhecimento e consequentes informações incorretas
sobre essa forma de culto, assim como a distorção da pureza dos princípios que
norteiam os rituais e práticas divinatórias, quando executadas por falsos
sacerdotes e sacerdotisas fomentou versões desabonadoras sobre a tradição
iorubá e o candomblé. Acredito que a pureza da tradição precisa ser resgatada
para que possamos respeitar essa cultura e eliminar definitivamente o
preconceito racial e religioso em relação aos nossos irmãos afrodescendentes.
Afinal de contas, respeitar e acolher o diferente e interagir com ele é dar o
primeiro passo para a integração fraterna da família humana.
O
Xirê
Entre os iorubás, a
sacerdotisa é denominada Yalorixá e o sacerdote Babalorixá, comumente
conhecidos no Brasil como mãe-de-santo e pai-de-santo, ou zeladora e
zelador-de-santo. Eles cuidam do “AXÉ”, dos símbolos e objetos de poder do
orixá e dirigem as cerimônias que podem ser privadas e secretas ou públicas.
Nos dias de cerimônia pública, chamada “xirê dos Orixás”, eles presidem os
rituais e são os responsáveis pelo bom andamento da celebração. Nessas ocasiões
o barracão é decorado com flores e fitas coloridas, bandeirinhas ou guirlandas
de papel crepom nas cores dos orixás e o chão é limpo e coberto por folhas de
pitanga. O local é defumado com fumigações de ervas próprias para a purificação
do ambiente. O pai ou a mãe de santo, e os seus ajudantes mais próximos, ficam
sentados num lugar de destaque e os atabaques consagrados aos orixás
denominados “rum”, “rumpí” e “lê” acompanhados de outros instrumentos de
percussão, são responsáveis pelos toques e os cantores cantam os pontos de
chamada, mantras em ioruba ou nagô, que convocam os orixás para participar do
ritual. Os filhos e filhas de santo se preparam naquele dia com banhos de ervas
para limpeza energética e se abstêm de relações sexuais no dia que antecede ao
“xirê”. De acordo com os toques e cantos mântricos, na medida em que é invocada
a presença do seu orixá de cabeça, os “yaôs” entram num estado de transe
profundo; então, possuídos pelo orixá, começam a girar e dançar com expressões
faciais e posturas corporais modificadas, que revelam pela especificidade de
cada gesto e passo, que o orixá invocado está presente no terreiro. Após a
incorporação, as roupas, adereços e égides de cada orixá são usados pelo
iniciado e o orixá dança e dá seu “ilá” (sua palavra ou grito de
identificação). Os assistentes o saúdam em iorubá, e desse modo o deus se
apresenta na sua plenitude para abençoar seus filhos e receber homenagens.
Depois, ao final, é servida ao público presente a comida oferecida aos orixás e
por eles consagrada.
OS
ORIXÁS- ORISSÁ
Orissá ou orixá significa
a luz da cabeça. Para os iorubás, os orixás são potências cósmicas que regem os
poderes dos elementos da natureza. Elementos que constituem nosso organismo e
todos os reinos da natureza e que tudo mantém e de onde tudo provem. O orixá é
uma força pura, imaterial que atua em várias dimensões e se torna perceptível
quando incorpora em um ser humano. São os regentes das energias do planeta e
para entrar ou sair da Terra é preciso a autorização deles. Constituem
hierarquias de elementais que zelam pela vida manifestada na Mãe-Terra. Eles adotam
os seres humanos quando suas almas estão prontas para encarnar na Terra e os
protegem vigilantes durante toda a existência.
Os mitos, as lendas e
definições dos orixás podem variar de região para região, mas todas as
narrativas coincidem quanto a fé na atuação deles como divindades
administradoras do equilíbrio e da preservação da vida no mundo terrestre.
Divindades que estão encarregadas pelo Princípio Supremo, Olodumare, da
manutenção de sua criação no Ilê, o mundo natural, e constituem a energia emanada
da e pela Mãe-Terra para o Cosmo e vice-versa. Alguns seres, devido as suas
qualidades morais e habilidades, podem se tornar orixás; nesses casos,
geralmente escolhem um descendente como veículo para se manifestar. No Brasil o
culto é prestado a 16 orixás prioritários; segundo os iorubás, eles são os
diferentes aspectos da divindade única. Alguns deles excepcionalmente podem ser
manifestações desses primordiais, e ter sido seres humanos que atingiram o
estado divino em vida, e por amor retornam para ajudar sua família e
comunidade.
No Brasil, os iorubás e
sua cultura predominam na estrutura das cerimônias, na mitologia e metafísica,
embora outras etnias ainda permaneçam fiéis e atuantes, cultuando suas crenças,
como o culto aos Egungun (os ancestrais) que acontece principalmente na Ilha de
Itaparica, na Bahia. Os orixás são arquétipos universais, personificam virtudes
e valores fundamentais desta tradição. Eles constituem os fundamentos do
caráter desse povo que transmite sua sabedoria oralmente atravez das lendas
contadas com reverência e amor de coração a coração, da boca amorosa para o
ouvido amoroso. Para os iorubás, a Mãe-Terra é um ser vivo e sagrado. Plantar,
perfurar um poço para obter água limpa, ou outro tipo qualquer de intervenção
no solo do planeta, é precedido de um ritual para obter permissão e perdão pela
agressão feita ao corpo da Mãe-Terra. Eles agradecem cantando e dançando pela
obtenção da licença e pelos resultados positivos das suas ações. Os orixás
estão presentes no cotidiano dos fiéis, no trabalho e nos fatos mais
corriqueiros da vida. Simbolicamente, a morada e regência de cada orixá é um
elemento e uma qualidade, um valor, e cada expressão da natureza é compreendida
como um sinal mágico. Para os iorubás a natureza oferece os indicadores
abençoados pelos orixás. Cada orixá tem sua cor, égide, pedra, dia da semana,
dança, canto, saudação, animal consagrado, comida, objetos de oferenda,
filiação, função e lugar de poder.
PRINCIPAIS
ORIXÁS (MITOS, FUNÇÕES E REGÊNCIAS)
ORIXALÁ ou OBATALÁ -
Divindade da criação, o nome da divindade suprema. Também conhecido como
Olodumare ou Orumilá.
IFÁ -
O senhor dos mistérios divinatórios. O porta-voz de Orumilá, ou Olodumare, o
deus supremo, que está inacessível aos homens e fora da compreensão humana. Ifá
é consultado e Olodumare (ou Orumilá) revela seus desígnios através do “opelê”
um tipo de rosário divinatório que somente os sacerdotes podem consultar. As
sacerdotisas consultam os búzios cujo jogo divinatório é regido por Oxum, uma
deusa. Outro nome do deus supremo é Olorun, o senhor dos céus.
EXU –
O mensageiro dos deuses. Ele é o traço de união entre os homens, os orixás e
Olorum. Exu é assistente direto do deus supremo e assessora Ifá nas consultas
ao “opelê”, e no jogo de búzios inspira a ialorixá (sacerdotisa) e leva as
consultas diretamente aos orixás, trazendo para ela as respostas dos deuses. É
o mensageiro entre as dimensões mundanas e sagradas e o guardião dos templos,
das casas, das cidades e das pessoas. É o intermediário entre os seres humanos
e os deuses e por isso é homenageado em primeiro lugar nos cultos. Ele garante
que os obstáculos para o bom andamento das cerimônias sejam removidos. Esse
orixá teve por parte dos colonizadores uma interpretação incorreta que
permanece ainda hoje repercutindo negativamente e prejudicando a compreensão e
aceitação desta tradição. Ele não é a incorporação do mal, pois a noção do
diabo, da corporificação do mal não existe entre os iorubas. Exu é a força que
cria novas ordens e que abre caminhos para possibilidades.
OXOSSI -
O senhor das florestas, o provedor da caça, pesca e da fartura de modo geral. É
o orixá da generosidade, da amabilidade, companheirismo e determinação. Como
Odé, um dentre seus aspectos mais misteriosos e secretos, é o oculto, o
conhecedor das raízes e dos segredos das profundezas da Terra. Oxossi é a força
que orienta a organização da vida comunitária e a produção agrícola nas
aldeias. Oxossi agrega as pessoas e confere qualidade a convivência
comunitária.
OGUM -
O senhor da guerra, guerreiro do divino combate interior entre o certo e o
errado, a luz e as trevas. Ajuda na superação dos defeitos comportamentais e
dos vícios prejudiciais a saúde e a elevação do espírito. Irmão de Exu, abre
caminhos para o novo, vence demandas contra as negatividades e auxilia na
realização de projetos, eliminando dificuldades eventuais. Ogum é temperamental
e intempestivo e tem como principal desafio vencer a si mesmo.
OXUM -
A deusa-mãe das águas doces, a Grande Mãe. Sua energia de potencializa nas
nascentes e cachoeiras. Éo princípio feminino que se apresenta como cuidado
amoroso, beleza, graça, harmonia, doçura, prosperidade e abundância. Promove a
fartura e a fertilidade e protege a maternidade e as crianças. É também a deusa
do amor e do ouro.
IEMANJÁ -
A deusa-mãe das águas salgadas. Sua energia se potencializa nos mares e
oceanos. É o princípio feminino que se apresenta como beleza, impetuosidade,
poder, mutabilidade, exuberância, acolhimento, fascínio, imprevisibilidade,
criatividade e força transformadora e renovadora da vida. Protege os homens do
mar, a pesca, a família, o amor entre os casais. É a deusa que reina desde as
profundezas e dos mistérios abissais.
OXALÁ -
O orixá responsável pela totalidade da criação de Olodumare. A ele foi confiada
a tarefa de formar a humanidade. Ele representa a sabedoria dos mais velhos, a
ponderação, a pureza, o respeito, a paciência e a perseverança. Protege os
puros de coração. Seu elemento é o éter. É um orixá fun-fun, ou seja tudo que
se refere a ele e é a ele oferecido tem que ser branco e imaculado.
XANGÔ -
A realeza, o poder de decisão, a firmeza e a força do caráter. É o senhor da
justiça e da liderança a serviço do Bem. Rege os negócios e os assuntos de
estado. Protege os governantes e líderes em
geral. Manifesta-se na natureza
como os trovões e raios, símbolos do seu poder. Xangô é a beleza masculina e
sua força física e moral atrai as mulheres de maneira irresistível. Seus filhos
espirituais trazem suas características e expressam suas qualidades.
OSSAIN -
O Senhor das Folhas. Manifesta-se como o poder dos sons da floresta e
principalmente como o poder que se oculta nas ervas e folhas sagradas e
curativas. Não há candomblé sem folhas e para que elas permaneçam vivas e
poderosas Ossaim precisa ser louvado. É o senhor da medicina que cura o corpo,
a mente e a alma. É um dos mais misteriosos dentre os deuses iorubá.
OBALUAIÊ -
O Senhor das doenças e da cura. Ele revela a fragilidade humana, a
instabilidade e a necessidade dos seres vivos de estar em harmonia com as
forças da natureza para permanecer saudável. Ele se apresenta também como o
curador do físico e das moléstias em geral, e das afecções de pele em especial.
É o orixá protetor e provedor do equilíbrio que gera a saúde. Quando irado,
provoca epidemias e morte. Ele tem poder sobre a vida e a morte. Seu nome
significa O Senhor da Terra, Shapanam.
OXUMARÊ -
É o deus da dualidade e da alternância entre os opostos na manifestação da
vida. Ele é o sustentador do equilíbrio das forças naturais e da renovação. É
representado pelo arco-íris que liga o céu e a Terra. Um dos seus símbolos é a
serpente enrolada que ao se desenrolar une o profano e o sagrado. Oxumarê
ensina a humanidade a jogar o jogo da vida, a lidar com as perdas e os ganhos.
É também o orixá portador de alegria e transformação.
LOGUNEDÊ -
O Senhor da síntese – a complementaridade. Manifesta-se como homem e como
mulher alternadamente. Durante seis meses é feminino e nos outros seis meses é
masculino. Ele representa a união das polaridades, homem e mulher, certo e
errado, luz e trevas, bem e mal. Corpo e espírito. ele é a superação dos pares
de opostos.
IROKO -
O Senhor de todos os aspectos do tempo. Apresenta-se como uma árvore frondosa,
a gameleira branca. Seus filhos o homenageiam com devoção, mas este orixá não
incorpora nos fiéis; ele permeia tudo, cria e destrói todas as coisas. A
gameleira tem raízes profundas na Terra, mas se dirige ereta para o céu; ela
nos ensina que durante seu tempo de vida o ser humano deve estar na Terra sem
se esquecer do céu de onde se origina. Iroko ensina também o uso adequado do
tempo mostrando que o tempo não passa, é eterno; quem passa somos nós, as
coisas e a natureza.
INHASÃ, OYÁ –
A rainha de OYÓ, a senhora dos ventos. O princípio feminino transgressor do
estabelecido e provedor da coragem, autoconfiança, auto-estima, dedicação,
também da iniciativa e estratégia de superação dos obstáculos aos propósitos
grandiosos. É a deusa que conduz as almas dos mortos do sofrimento à paz eterna
e afasta os espíritos perturbadores. Dançando freneticamente, agitando com as
mãos um rabo de leão, ela livra seus protegidos dos males do espírito.
OBÁ -
A divina e destemida guerreira defensora das causas nobres. Combate em favor
dos menos favorecidos pela sorte. Os rejeitados, os traídos e humilhados contam
com a proteção de Obá, a poderosa deusa justiceira. É o feminino destemido que reivindica
igualdade de direitos entre homens e mulheres. Manifesta-se nas águas revoltas
da confluência entre os rios.
NANÃ BURUKU ou BURUQUÊ -
O princípio feminino que se apresenta como a anciã sábia, o poder ancestral que
engendrou as formas humanas amassando o barro com seus próprios pés. A senhora
das águas profundas e dos pântanos. É o mais alquímico dos orixás; representa o
poder transmutador da natureza. Ela é um orixá originário da idade anterior ao
ferro e cultuada principalmente no Daomé.
IBEJI – Orixás-crianças.
Regem a alegria, a descontração, a espontaneidade, a leveza, o entusiasmo, a
capacidade de se deslumbrar, a curiosidade e a vontade de aprender.
Manifestam-se nos adeptos como a criança interior de cada um dos seres humanos.
Olodumare – O Deus Supremo
A religião dos orixás é
um culto às forças cósmicas e telúricas; é uma forma de culto familiar e
comunitário. Embora seja basicamente uma religião tribal e da natureza, também
reverencia os espíritos dos ancestrais que por suas qualidades morais foram divinizados
e integrados às hierarquias de elementais que constituem as energias do
planeta, possuindo por isso um axé (força mágica) poderoso. É uma religião de
aceitação e tolerância, onde não existem preconceitos, dogmas, proselitismo ou
doutrinação.
Para os iorubás, acima
dos orixás está Olodumare, o deus supremo, que paira sobre tudo e todos e
contém em si mesmo tudo e todos. Esse deus representa o poder infinito do
universo; é inacessível, e está muito além da compreensão humana. Não é
cultuado nem incorpora nos adeptos, mas é o mais respeitado, pois é o criador
inacessível de tudo que existe, inclusive dos orixás.
Quando resolveu criar a
humanidade, Olodumare criou primeiro os orixás e a eles confiou a supervisão de
sua obra. Portanto, para chegar a Olodumare é aos orixás que os homens devem
recorrer, reverenciar e dirigir suas preces e oferendas.
Olorun é o nome dado ao
governante do “orun” que é uma dimensão intermediária entre o universo superior
de Olodumare e a Terra (Ilê). Orun é um lugar muito sagrado e reverenciado
porque é lá que habitam as almas dos mortos. No orun as almas aguardam a hora
de voltar periodicamente ao mundo dos vivos para renascer.
Para os iorubás tanto a
vida quanto a morte são etapas sagradas e ao oferecer sacrifícios aos seus orixás
eles consagram tanto a Terra quanto o céu, afirmando essa crença. Eles
acreditam que os animais imolados e ofertados durante o sacrifico têm a
oportunidade de evoluir como energia consciente.
Como vemos, a mitologia
desta tradição é altamente sofisticada e sutil na apresentação dos seus mitos,
rituais e arquétipos.
Arquétipo
Os “ogans”, conhecidos
entre nós brasileiros como filhos-de-santo, vivem transes de possessão
profunda; trata-se de transe que atinge o estágio das ondas cerebrais theta. O
orixá que eles incorporam geralmente apresenta características físicas e de
personalidade, assim como afinidades de temperamento, com cada um dos seus
filhos, “ogans” ou “yawôs”. Essas afinidades são perceptíveis e também se
apresentam como propensões arquetípicas da personalidade que jazem adormecidas
no inconsciente das pessoas. Muitas vezes talentos e tendências inatas são
reprimidos pela educação ou meio social, e o adepto incorporando seu orixá,
cujo arquétipo lhe corresponde, durante o transe se comporta como o orixá,
dança como ele e se expressa com grandeza e majestade. Durante o transe o
“ogan” libera os traços ocultos de sua personalidade e vive um êxtase muito
abrangente e alentador. Tudo isso que ele manifesta pertence aos domínios do
inconsciente e a exaltação do transe é altamente libertadora, porque unifica os
diferentes aspectos da personalidade do filho-de-santo e permite que ele
ultrapasse limites auto-impostos e solte as amarras subconscientes.
Nesta tradição, o corpo
físico é compreendido como a manifestação concreta de uma ação transcendental e
deve ser tratado com carinho e respeito. Deve estar sempre limpo e em perfeita
saúde para que possa ser o veículo perfeito para o orixá incorporar. Para eles
a doença é uma transgressão ou negligência do fiel com suas obrigações
litúrgicas, morais e sociais.
Os orixás, quando
insatisfeitos, reportam as falhas do “ogan” a Olodumare, que determinará o que
deve ser feito. Merece destaque a refinada psicologia iorubá, cujas práticas
visam a harmonia interior do indivíduo, da família e da comunidade, a partir da
harmonização de cada um e de todos em vários níveis de realidade.
O psicólogo alemão Bert
Hellinger desenvolveu o seu trabalho chamado Constelações Familiares a partir
da observação das práticas iorubás de harmonização de conflitos utilizando
arquétipos quer individuais quer religiosos para solucionar problemas pessoas
atuais ou recorrentes de cada pessoa e grupo familiar, assim como das
comunidades. Portanto, não se trata de uma tradição primitiva, no sentido de
primária, mas sim de uma expressão do conhecimento universal unificado que cada
civilização apresenta de acordo com as características raciais, territoriais e
culturais. No caso, os nossos irmãos africanos revelam com beleza e alegria seu
universo étnico, ético, artístico, místico, mítico, social e religioso, através
da compreensão sagrada da existência.
Sacrifícios
Para os não adeptos da
tradição iorubá, é comum criticar e até rejeitar os rituais que incluem
sacrifício de animais praticados pelo candomblé, umbanda e pelo sincretismo
afro-brasileiro de modo geral. Todas as religiões praticaram sacrifício
imolando animais nos seus altares desde tempos imemoriais; algumas até imolavam
seres humanos. Os sacrifícios eram comuns na Suméria, no Egito, na Pérsia,
Grécia, Índia, no império romano; não podemos esquecer da Judéia e seus rituais
com sacrifícios de animais no templo.
Dentre os sacrifícios
bíblicos, o mais famoso é o sacrifício que Jeová exigiu de Abraão - a imolação
de Isaac, seu único filho -, que por intervenção de um anjo, foi transformado
no sacrifício de um cordeiro. Este sacrifício, segundo o judaísmo e o
cristianismo, traz o ensinamento da submissão à Vontade do Altíssimo; mostra
que devemos colocar o que deve ser feito, pela Vontade de Deus, acima de tudo
que mais queremos e amamos.
Na época de Cristo,
durante a Páscoa, os fiéis judeus imolavam grande quantidade de carneiros no
templo como ato de fé e agradecimento. Daí o Cristo ser chamado “O Cordeiro de
Deus”.
Na Índia, vemos nos Vedas
que o sacrifício do cavalo branco significava a rendição da mente ao divino, e
era um dos momentos altos dentre os rituais de sua tradição.
Os cristãos substituíram
o sacrifício de animais pelo sacrifício da eucaristia, quando o pão e o vinho
representam o corpo e o sangue de Jesus. O sacrifício é o fazer sagrado, o
sacro-oficio, e para cada povo significa doação e oferenda reverente.
As civilizações das três
Américas também ofereciam sacrifícios à Terra e ao Sol. Porém, cada tradição
exterioriza isso de acordo com sua cultura.
Os iorubás acreditam que
o animal sacrificado não deve sofrer ao morrer, e que o sangue derramado faz a
ligação da energia vital terrena com o universo, de onde tudo se origina. Penso
que não nos cabe julgar tendenciosamente as escolhas humanas, e aceitar o
sagrado nas suas múltiplas expressões.
IFÁ
É o orixá oculto e
imanifesto, dotado do poder divinatório mais sagrado da tradição iorubá. Ifá
representa o mistério da vida e da morte, o transmissor dos desígnios do
universo. Ele é a expressão da vontade de Olodumare, o deus único e supremo.
Seu veículo para se
comunicar é o “opelê”, um tipo de rosário feito de sementes a ele consagradas,
que lançadas ao solo configuram as infinitas maneiras da vida se apresentar e
evoluir. Os “odus”, como são chamados os 16 fundamentos e configurações
básicos, nos quais o babalaô lê as conjunções que correspondem ao momento de
vida do consulente, funcionam vibracionalmente. Essas informações atuam no
inconsciente do consulente sem interferência do intelecto. Na África, o babalaô
permanece fiel à tradição ancestral, e confia na linguagem silenciosa dos
símbolos, na geometria sagrada, sem interferir. No Brasil, o babalaô ou a
Yalorixá decifra os sinais e indica ao consulente as potencialidades,
orientando-o como agir.
Ifá, assim como
Olodumare, também não incorpora no adepto, mas é reverenciado como o portavoz
de Olodumare e portador dos versos ancestrais da tradição. Os versos de Ifá
contêm os mitos e as lendas que encerram princípios e os ensinamentos
transmitidos oralmente: são os fundamentos e valores milenares. Eles constituem
o livro de sabedoria desta tradição, que é basicamente oral.
É interessante ressaltar que
a arte divinatória do jogo de búzios é um atributo da Yalorixá; e o opelê
(rosário divinatório) é atributo do Babalaô. No Brasil essa diferenciação não é
respeitada.
EXU ELEGBARÁ
Esse orixá ganhou no
Brasil uma versão totalmente distorcida pelos colonizadores católicos e
catequistas jesuítas. E hoje em dia, devido a isso e ao desconhecimento da
tradição pela maioria da população, quer seja negra quer seja branca, ele é
visto como a personificação do mal e da perversidade, mesmo entre adeptos de
seitas formadas pelo sincretismo afrobrasileiro.
Para algumas seitas de
origem africana e aculturadas, Exu não é um orixá. Os exus para elas são
espíritos sem luz, muito presos às sensações, que atuam para o bem ou para o
mal mediante uma paga. Atualmente, algumas correntes do cristianismo
neopentecostal enfatizam esta versão, o que contribui para alimentar o engano e
a distorção do mito. Trata-se de um enorme equívoco, porque para os iorubás não
existe a concepção do diabo, a personificação do mal; não existe a figura
antropomórfica do mal, uma força externa a quem imputar as tentações, erros e
malfeitos.
Exu é o orixá da
dualidade na manifestação da vida; certo e errado, dia e noite, homem e mulher,
bem e mal, ou seja, a bipolaridade de modo geral. Como o Hermes grego e o
Mercúrio romano, ele faz a ligação entre o mundo material e o mundo espiritual;
é o guardião dos templos, das cidades, das encruzilhadas, das casas e das
pessoas. No candomblé, é o primeiro orixá a ser homenageado nas cerimônias do
“xirê”. Ele é invocado para que neutralize eventuais mal-entendidos entre os
adeptos e perturbações energéticas de modo geral.
Os missionários cristãos
o identificaram com o diabo em razão da sua representação como um homem nu
exibindo um respeitável falo ereto, ou como um cupinzeiro brotando do solo
representando o órgão sexual masculino. Ele representa a fartura, a
prosperidade, a flexibilidade, a sedução, a fertilidade, a criatividade,
argúcia, e a sexualidade. Para os iorubás é fundamental casar e ter filhos, e o
falo masculino é visto como a sementeira, a fonte da descendência, da
procriação e do fogo das paixões.
Execrar Exú é partir a
espinha dorsal do povo iorubá, e sua concepção livre e alegre da vida. Para Exu
pede-se a interferência nas coisas materiais, porque ele sabe lidar com as
peças que constituem o jogo da vida e sabe ampliar o leque das possibilidades.
Este orixá está além do bem e do mal, das perdas e ganhos, é uma força amoral,
um potencial inesgotável de energia que pode ser utilizada segundo o nível de
consciência dos homens. Exu revela que a moralidade não está sujeita à
divindade, mas às escolhas humanas e suas consequências. Para os iorubás, a
ética depende da qualidade do caráter dos homens e se exterioriza nas suas
intenções e ações.
Exu é o mais complexo e
contraditório de todos os orixás, tem virtudes e defeitos, e como os humanos
está sempre exercitando as oscilações entre o bem e o mal. Pode fazer o bem
quando solicitado, assim como pode pregar peças e até eventualmente fazer o
mal. Exu ensina que tudo na vida tem seu valor e seu preço no jogo de perdas e
ganhos. Este orixá é uma força que atua de acordo com a consciência do adepto,
e o resultado e a ressonância das ações é responsabilidade de quem recorrer a
Exu. Nele está o princípio da comunicação; ele retrata nossa dualidade
interior, e rege o uso da energia vital, o corpo dos desejos, emoções e
sensações. Exú abre caminhos, derruba barreiras e cria novas ordens.
Seu mito diz que ele veio
ao mundo munido de um bastão em forma de falo (“ogó”), que tem a propriedade de
transportá-lo para onde quiser em instantes. Exu é o orixá que revela que do
caos surge a ordem, e tem função reguladora no cosmos. É o orixá que atua como
fiel da balança entre as forças de construção e de destruição. A redenção de
Exu é a verdadeira abolição da escravatura de uma raça e de uma cultura. Livrar
Exu da falsa imagem demoníaca e conhecer seu real significado mítico é um passo
fundamental para a superação dos preconceitos raciais, sociais e religiosos em
relação aos adeptos da tradição iorubá e principalmente aos afrodescendentes no
Brasil.
O Mito
Existem mitos que
apresentam Exu como filho de Oxum criado por partenogênese, sem intervenção
masculina, e que teria recebido o axé (poder) de todos os demais orixás. Este
mito diz que Olodumare enviou 16 orixás para criar a vida na Terra, 15 homens e
uma mulher. Os orixás masculinos boicotaram as ações do único orixá feminino
entre eles e por isso, a deusa se retira da Terra. O resultado da sua saída foi
fome, miséria, seca, esterilidade e sofrimento. Desesperados, os orixás vão até
Olodumare e narram a situação. Olodumare diz que sem a deusa, o princípio
feminino, nada se movimentaria nem floresceria, e que eles deviam convencer
Oxum a voltar para a Terra. Então, eles foram até a deusa e imploraram que
voltasse. Relutante, ela aceitou, impondo uma condição: todos eles deveriam
depositar seus “axés” em seu ventre; seu filho seria filho de todos eles e
detentor dos seus poderes. Os demais orixás masculinos obedeceram e Oxum gestou
e deu à luz Exu.
Outro
mito o apresenta como filho de Yemanjá e Oxalá. As narrativas variam de acordo
com a região da África. Seu domínio está em toda parte, mas as oferendas são
feitas em encruzilhadas e porteiras, porque Exú é o orixá que indica caminhos e
ultrapassa os obstáculos, as demandas e dificuldades de optar, criar e
realizar. O seu elemento é o fogo, a comida a ele oferecida é a farofa de dendê
e os animais consagrados são o galo preto e o bode preto. Suas cores são o
preto (que representa a soma de todas as cores na matéria, as trevas de onde
nasce a luz) e o vermelho (que representa o fluido vital, o sangue e o
movimento, a ação). O dia da semana dedicado a Exu é segunda-feira. Sua
saudação: Laroiê! Exu ê Mogibá.
Iemanjá, a Deusa-Matriz da Criação
Iemanjá, cujo nome deriva
de “Yèyé Omo ejá” (Mãe de todos os peixes), é a Grande Mãe do povo Egbá. Na
África, os Egbá formam uma nação de idioma iorubá que vivia outrora numa região
entre Ifé e Ibadan. Nessa região, Iemanjá era adorada como o orixá padroeiro, e
na natureza seu santuário era o rio Yemojá, local sagrado para seus fiéis, onde
seu “axé” se assentava e emanava mais fortemente. Dali seu poder se espalhava
por toda parte, isto porque o rio, quando desaguava no mar, levava o Axé de
Iemanjá para os oceanos e irradiava o poder da deusa por todo o planeta.
Depois, em razão de
guerras tribais, esse povo imigrou para Abeokutá, e como não podiam transportar
o rio consigo, levaram areia, cristais, seixos e outros objetos sagrados que
ele continha em seu leito. Carregaram tudo o que significava suporte do axé
(energia, poder) da sua deusa. O axé que transportaram eles transferiram para o
leito do rio Ogun (não confundir com o orixá que tem o mesmo nome) que
atravessa Abeokutá, o qual, desde então, para eles é a morada local de Iemanjá.
Todos os anos os fiéis
africanos recolhem em jarras brancas as águas sagradas desse rio para banhar-se
e lavar o lugar onde está o assentamento na terra do axé da deusa. Esse lugar é
o templo a ela dedicado na vastidão da natureza. Depois eles vão até uma fonte
e enchem jarras; feito isto, seguem em procissão ao encontro de outros fiéis
que carregam estátuas de madeira representando Iemanjá como uma linda mulher, e
tocam tambores e outros instrumentos de percussão, dançando e saudando aquela
que para eles é a deusa-matriz da criação. O cortejo se dirige à cidade e segue
abençoando os moradores pelo caminho. O povo nas ruas saúda a deusa com
reverência e fervor, enquanto a procissão continua indo em direção ao local
onde a esperam as autoridades locais. Para os fiéis devotos de Iemanjá, nesse
dia a deusa oferece uma emanação abundante de bênçãos sobre a humanidade.
Iemanjá no Brasil
Quando os iorubás vieram
para o novo mundo, Iemanjá se tornou objeto de grande adoração principalmente
no Brasil e em Cuba. O culto a Iemanjá é muito forte entre
brasileiros e cubanos afro-descendentes ou não, e os adeptos da tradição a
reverenciam como a mãe de todos os Orixás, o princípio feminino gerador de
vida, da beleza, da abundância e da mutabilidade.
Pode-se dizer que Iemanjá
é o orixá mais popular no Brasil. Tanto na África quanto no Brasil e em Cuba,
ela representa o poder das águas como berçário da vida. Iemanjá é reverenciada
como o generoso e fértil útero do planeta, e também é venerada como a Grande
Mãe. O mar é o sagrado colo da deusa, que nutre e embala seus filhos no berço
das ondas do mar. Iemanjá é o orixá que atua na natureza como a força que dá
forma e anima a matéria, e que transforma energia material em espiritual, e a
espiritual em cósmica, e do éter manifesta a vida primordial nas águas
oceânicas. Iemanjá tem sob seu comando todos os elementais das águas salgadas.
Aspectos de Iemanjá
Na Bahia, os iniciados no
candomblé dizem que há sete aspectos de Iemanjá:
Iemowô, a esposa de
Oxalá.
Iamassê, a mãe de Xangô.
Ewá, a mãe do mistério
das águas profundas das regiões abissais.
Olossá, a senhora da
lagoa africana na qual deságuam os rios de Abeokutá.
Iemanjá Ogunté, casada
com Ogun Alagbedé (para alguns ela seria a mãe de Ogun).
Iemanjá Assabá, a
fiandeira que tece os fios da trama da vida.
Iemanjá Assessu, a deusa
que rege tanto as águas doces como as águas salgadas, uma energia feminina
indomável, o aspecto mais misterioso e poderoso desse orixá.
Representação de Iemanjá
A representação desse
orixá na África é uma mulher madura, de grande beleza, dotada de formas
voluptuosas e seios fartos. Para eles, dos seios generosos de Iemanjá jorra a
água da vida. Aqui no Brasil ela é representada como uma linda e jovem mulher
com cabelos negros e longos, portando uma tiara na cabeça, com muitas pérolas
adornando seus cabelos, mãos e colo. Nas estátuas e gravuras, ela está usando
sempre um vestido azul claro salpicado de estrelas e peixinhos dourados; o
vestido desenha suas formas sinuosas.
Iemanjá é uma energia
feminina portadora de beleza, mistério, amor, sensualidade, poder,
generosidade, abundância, transformações, autoridade e respeito. É uma mãe
amorosa, zelosa e acolhedora, mas firme e disciplinadora ao mesmo tempo.
O arquétipo
O arquétipo psicológico
de Iemanjá é a delicadeza, a sensibilidade, o refinamento, a beleza, a
feminilidade, a força interior, a imponência, a renovação e a transformação
constante. Iemanjá não tolera desonestidade, maledicência, inveja, mentira,
dissimulação e traição. Nessa tradição, os filhos de cada orixá trazem
características dos seus deuses protetores. Os adeptos consagrados a Iemanjá
são belos e imponentes e também dotados de grande magnetismo e encanto. Eles
chamam a atenção de todos por onde passam. Também são francos e verdadeiros,
primam pelo caráter reto e abertura para o novo e desconhecido. Sejam homens ou
mulheres, têm sempre um comportamento ético, são gentis, delicados no trato,
fiéis, amorosos, refinados, dotados de discernimento e autoconfiança; mas, como
o mar, surpreendem, podendo mudar de ânimo de repente. Seus filhos se irritam
quando contrariados em seus princípios e podem agir intempestivamente.
O dia da semana dedicado
a Iemanjá é o sábado. As suas cores são: branco, prata, azul claro e cor de
rosa. Suas filhas, quando incorporadas, usam roupas luxuosas nas cores branco,
azul claro e prata. Na cabeça portam uma coroa prateada com uma estrela de 5
pontas desenhada em relevo; dessa coroa pende uma franja feita de contas de
cristal branco e azul que encobre o rosto da iaô. Na mão direita elas carregam
um “abebê” prateado (um tipo de espelho), no qual se olham enquanto dançam
movendo os braços e as cadeiras em movimentos ondulatórios, ora lentos ou
rápidos e vigorosos. Sua dança é solene, majestosa e graciosa. As oferendas de
comida são: milho branco cozido com mel, bolo de arroz com mel. Animais
consagrados à deusa: pata, galinha e cabra, todas brancas. No sincretismo ela é
identificada com Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora das Candeias,
variando de acordo com algumas regiões do país. Dia 2 de fevereiro é o dia do
ano dedicado a Iemanjá, quando lindos festejos acontecem em todo o Brasil,
especialmente em Salvador, Bahia. No dia 31 de dezembro no Brasil, adeptos ou
não costumam levar até o mar oferendas para Iemanjá. Entram no mar e pulam 7
ondas antes de oferecer flores brancas, perfumes, espelhos e adereços à deusa,
para que ela os abençoe com saúde, amor e prosperidade. As casas de candomblé e
de umbanda se reúnem numa grande festa coletiva para saudar a deusa Iemanjá, a
rainha do mar.
A saudação feita a esse
orixá é: Odôiá! E Odô-Ífé-Iabá!
O Mito de Iemanjá
São muitas as lendas
sobre ela. Dentre tantas, existe uma nos versos de Ifá que diz: Iemanjá era uma
princesa muito linda e querida por seu pai, o poderoso senhor das profundezas
dos oceanos Olokun. O rei, zeloso de sua filha, queria para ela o melhor.
Quando apareceu Orumilá, senhor das adivinhações, como pretendente à sua mão,
Olokun concedeu de imediato, e esse foi o primeiro marido dela. Separou-se de
Orumilá devido seu temperamento inconstante e depois se casou com Olofin, rei
de Ifé, com quem teve 10 filhos. Porém, ela não tem paradeiro, está sempre em
transformação, e cansada de sua permanência em Ifé, foge. Olokun, seu pai,
sabendo do seu temperamento mutante e voluntarioso, havia entregue a ela, por
medida de precaução, uma garrafa com um preparado, recomendando-lhe que, se
encontrasse em enorme perigo, quebrasse a garrafa no chão.
Ela, na fuga,
encaminhou-se para o entardecer da Terra, o oeste. Olofin-Odudua mandou o seu
exército atrás dela. Quando Iemanjá se viu cercada, quebrou a garrafa e um rio
criou-se imediatamente, envolvendo-a e carregando-a cuidadosamente até o oceano
para junto de seu pai Olokun, de onde ela nunca mais saiu.
Iemanjá dança eternamente
nas águas do mar mostrando sua beleza, fascinando homens e mulheres e
fornecendo fartura de pesca aos homens do mar. É também a deusa do amor e do
encantamento. Como senhora das águas, segue sempre em movimento, transformando
e purificando nossas águas interiores, harmonizando nossas emoções e protegendo
seus filhos e desenhando novos caminhos no corpo da Mãe Terra pela vida afora.
Iansã,
a Deusa dos Ventos e das Tempestades
Oyá- Iansã é o orixá que
expressa o destemor, o poder de iniciativa, a paixão e a força inovadora do
feminino. Esse orixá, na África, tem seu axé localizado no rio Níger, e se
espalha pelos seus nove afluentes. O número 9 é ligado a Iansã por esta razão.
Iansã representa o feminino na sua capacidade de enfrentar adversidades, de ter
liberdade de expressão e de decidir o próprio destino. É o princípio feminino
transgressor, portanto é capaz de ousar, romper padrões estabelecidos e apontar
novos caminhos; é a deusa cuja energia rompe convenções e costumes. Iansã é
também chamada a grande guerreira do amor porque Xangô, seu marido muito amado,
tinha grande afinidade com ela, e por isso respeitava seus dons de guerreira, a
ponto de confiar à esposa missões de guerra.
Conta uma lenda que certa
vez Xangô mandou que Oyá fosse até a terra dos “baribas”, com a missão de
trazer de lá um preparado feito pelos sacerdotes desse povo que, quando
ingerido, concedia o poder de lançar chamas pela boca e pelo nariz. Esse era um
poder que deveria se restringir ao rei, mas, Oyá, sempre impetuosa e rebelde,
bebeu do preparado, e se tornou também capaz de cuspir e exalar fogo adquirindo
tanto poder quando seu marido.
Oyá defende o que é justo
e luta pela igualdade de direitos de homens e mulheres. Seu amor por Xangô é
tão grande que quando este, depois de ter sido derrotado no final do seu
reinado, abrigou-se nas profundezas da Terra, ela o seguiu porque não saberia
viver sem ele, e os dois deuses permanecem unidos para todo o sempre.
Ela tem um aspecto
chamado Iansã de Igbalé, que tem a capacidade de afastar espíritos perturbados
e perturbadores. Este orixá é o único capaz de afastar os “eguns” - os
espíritos dos mortos, que ainda não têm luz e vagam pelo mundo. Iansã, com seu
poder, impede que eles perturbem os vivos; dançando incorporada na sua iaô,
Iansã os expulsa do ambiente. Dançando, ela os domina, orienta e encaminha com
movimentos rápidos dos braços e com as mãos espalmadas também os afasta da aura
dos fiéis onde eventualmente possam estar alojados. Essa limpeza ela executa
usando seu “iruexim” (um chicote feito de rabo de cavalo ou de leão, preso a um
cabo de osso ou metal).
No sincretismo
afrobrasileiro ela é identificada como Santa Bárbara, e também denominada a
Rainha dos Raios e Tempestades..
O Mito
Antes de casar com Xangô,
Iansã era mulher de Ogum, que a amava profundamente. Quando ela conheceu Xangô
não resistiu aos seus olhares sedutores, sua elegância, e beleza; sabendo que
Ogum não lhe daria a liberdade, fugiu com Xangô, despertando a ira e a revolta
de Ogum. Xangô também tinha se apaixonado por ela perdidamente, mas por ser
justo, foi pedir perdão pela fraqueza que não permitiu que ele resistisse ao
seu sentimento, e por ter ofendido Ogum prostrou-se aos pés de Olodumare, (deus
supremo). Este, chamou Ogum e aconselhou-o a perdoar os amantes, porque como
ele deveria saber, o coração é soberano, e portanto deveria aceitar o
irremediável, compreender e perdoar o casal.
Ogum não conseguiu superar
seu ressentimento e perseguiu os apaixonados até encontrar Oyá-Iansã e lutar
com ela. Na luta, Ogum derrotou Oyá e dividiu seu corpo em 9 partes, que se
tornaram os afluentes do rio Níger.
Conta outra lenda que
Iansã é responsável pelo sucesso da semeadura nas lavouras. Na época da
semeadura, a deusa com sua dança frenética roda sua saia e assim movimenta os
ventos, renova o ar e garante a sobrevivência das pessoas, espalhando sementes
pelo solo. Ela é a deusa e senhora dos ventos, das chuvas e das tempestades.
O Arquétipo
Iansã
simboliza a intrepidez, a independência, o destemor e a autonomia da
mulher. Suas filhas são audaciosas, autoritárias, corajosas e indomáveis.
São extremamente fiéis quando amam, são devotadas e demonstram lealdade
absoluta, porém quando contrariadas são impulsivas, não levam desaforo para
casa, podem perder o controle das emoções com facilidade. Adoram desafios e não
temem o novo e desconhecido. Os protegidos de Iansã, sejam homens ou mulheres,
são atraentes, sensuais e voluptuosos, e também ciumentos, vaidosos e
voluntariosos. O elemento de Oyá-Iansã é o ar, os ventos. Ela tem domínio sobre
as chuvas e as energias telúricas. E como Igbalé, domina as almas errantes e as
conduz no caminho da evolução. Sua cor é o vermelho e quando seus filhos e filhas
a incorporam, usam roupas vermelhas e uma coroa de metal dourado com franja
formada de contas de cristal vermelho encobrindo o rosto; no pescoço usam
colares da mesma cor. Algumas “yaôs” usam numa das mãos uma pequena espada,
lembrando o aspecto guerreiro do orixá e na outra mão o “iruechim”, o chicote
ou rabo de cavalo, símbolo de poder. As comidas oferecidas a Iansã são o
acarajé e o “amalá” de 14 quiabos. Os animais que lhe são consagrados são a
cabra e a galinha. A saudação é Epahei Oyá!
Logunedé, o Orixá Hermafrodita
Este orixá é hoje em dia
pouco cultuado na África, mas no Brasil tem inúmeros adeptos. Logunedé, filho
de Oxum e Oxossi Erinlé, é o orixá hermafrodita. Durante seis meses do ano é
masculino, nesse período ele vive na terra, e seu habitat é na floresta caçando
como seu pai; durante os outros seis meses ele é feminino, e vive nos rios e
cachoeiras como sua mãe. A cada seis meses ele muda de sexo, seis meses se
apresenta como homem e nos outros seis meses como mulher.
Logunedé representa a
integração da razão e da sensibilidade, a complementaridade, o masculino e o
feminino, as polaridades em
harmonia. Umdos seus símbolos mais fortes é o cavalo marinho. O cavalo marinho
é metade cavalo e metade sereia e é uma espécie que tem um comportamento muito
peculiar. A fêmea põe os ovos e estes depois de inseminados pelo parceiro são
colocados num lugar preparado pelo macho onde ficam por determinado tempo de
maturação, quando passam para o ventre paterno e lá ficam durante toda a
gestação. A fêmea visita o macho apenas uma vez na semana durante esse período.
Quem dá a luz é o macho sozinho, sem a participação da mãe e é ele quem cuida
dos filhotes enquanto ela provê alimento; depois ambos se reúnem e liberam a
cria para a vida.
O Mito
Logunedé é fruto do amor
de Oxum e Oxossi e simboliza o casamento perfeito das polaridades masculina e
feminina. Ele é a integração e superação dos opostos que passam a ser, por sua
intervenção energética, complementares e acolhidos pelo orixá, sem
predominância desse ou daquele gênero. Ele promove a harmonia entre os
diferentes e demonstra a unidade original existente em todas as espécies.
Arquétipo
Os filhos e “eleguns” de
Logunedé são autossuficientes, exigentes na escolha dos parceiros e demoram
para eleger alguém e se casar, e quando o fazem dificilmente o casamento dá
certo, embora sejam ótimos pais e mães e companheiros solidários mesmo depois
de separados. São vaidosos, criativos, ágeis, audaciosos, elegantes e altivos.
Têm o dom de compatibilizar o aparentemente incompatível; são dotados de muita
lucidez, argumentam com muita propriedade e sabem lidar com o inesperado,
inusitado e surpreendente. Quando incorporado no seu “egungun” esse orixá dança
com muita graça, e os passos são a mistura das características de Oxum e de
Oxossi. Nas mãos, usa os objetos representativos de ambos. Ele rege a
criatividade, o novo e a capacidade de realização. Seus elementos são a mata e
as florestas e também as águas doces e cachoeiras. O seu domínio está na caça e
na pesca de peixes de água doce. Suas cores são azul, branco e amarelo ouro. As
oferendas de comidas são as mesmas de Oxossi e de Oxum. O animal a ele
consagrado é o “odá” uma espécie de bode castrado.
No novo mundo ele não foi
sincretizado.
A saudação é: Logun,
Orikí!
Ogum,
o Senhor da Guerra e da Energia dos Metais
Ogum está entre os mais
antigos deuses do panteão iorubá. Ele é o divino ferreiro em cuja forja os
metais assumem formas e tornam-se instrumentos úteis para o trabalho e para a
defesa. Como orixá, ele nos oferece os instrumentos para obtermos o que
desejamos e necessitamos. Inspira a coragem e autoconfiança, valores
indispensáveis para enfrentarmos nossos problemas e solucioná-los.
O orixá guerreiro é muito
reverenciado tanto na África quanto no Brasil, Antilhas e Cuba. É o protetor
dos ferreiros, agricultores, caçadores e escultores que utilizam metais como
matéria prima, e de todos aqueles que lidam com máquinas, ferramentas e engrenagens.
É o dono dos caminhos e das conexões com diferentes pessoas e lugares. Ele
exemplifica valores como verdade, honestidade, coragem, perseverança, destreza
e retidão. Ogum é irmão de Exu e junto com ele destrói os obstáculos e vence
demandas para que aconteçam realizações materiais. Este orixá é louvado como
uma força empreendedora que fortalece o poder de iniciativa e a
responsabilidade pessoal dos seus fiéis.
Ogum afasta as más
influências e protege as residências. Por isso, os adeptos penduram nas
esquadrias de portas e janelas folhas de dendezeiros desfiadas, simbolizando
que o orixá estará sempre presente, batalhando pelo bem-estar daquelas pessoas
que lá vivem.
Os lugares consagrados a
Ogum na África costumam ser ao ar livre, e às vezes fora dos templos dedicados
a outros orixás. Os símbolos de sua presença e axé são grandes pedras em forma
de bigorna que são colocadas junto de uma árvore frondosa. Essas pedras são
circundadas por uma planta chamada “peregun”, um tipo de dracena conhecida no
Brasil como espada de São Jorge. Sobre essas bigornas são oferecidos
sacrifícios e feitas oferendas ao orixá.
Nas cerimônias de culto,
Ogum é louvado logo depois de Exu, tanto na África quanto no Brasil, Antilhas e
Cuba. No Brasil, ele é cultuado como o deus da guerra e o protetor dos
guerreiros, vencedor das demandas, feitiços e das causas difíceis. No
sincretismo afrobrasileiro é identificado com São Jorge, exceto na Bahia onde é
sincretizado com Santo Antonio. Na época da escravidão, os negros nos quilombos
viam nele o grande defensor, o estrategista e o guerreiro imortal. Quando o
quilombo de Palmares em Alagoas foi destruído e Zumbi foi derrotado e dado como
morto, a escultura de Ogum foi sua herança compartilhada pelos seus familiares.
Como o corpo de Zumbi, o herói de Palmares, nunca foi reconhecido pelos
quilombolas, para alguns adeptos Zumbi teria sido uma manifestação física de
Ogum. Zumbi não teria morrido, teria virado um encantado.
O Mito
Uma das narrativas
mitológicas sobre Ogum conta que muitos séculos atrás ele era um rei poderoso e
um guerreiro extraordinário. Certa vez, depois de ter conquistado a cidade de
Irê, ele entregou o governo ao seu filho, e partiu para novas campanhas em
favor dos mais fracos e sofridos. Durante sua caminhada cumpriu novas missões e
viveu mil aventuras. Depois de muito tempo ele volta a Irê, e justo naquele
dia, os habitantes haviam feito um voto de silêncio, e por isso não o saudaram.
Isso deixou Ogum indignado e furioso, porque compreendeu a atitude como
descaso, ingratidão e desrespeito. Encolerizado, investiu contra os moradores,
matando-os a todos, e depois incendiou a cidade.
Quando percebeu o que sua
precipitação, orgulho e cólera tinham feito, Ogum entrou em desespero. Sofrendo remorso profundo, não perdoou sua destemperança,
violência e injustiça, e para punir-se decidiu que não merecia viver mais.
Decidido, sacou a sua espada, e furou um enorme buraco no chão, entrou nele e
sumiu Terra adentro. Nas profundezas do planeta, no fogo sagrado do útero da
Mãe Terra, ele conseguiu transcender seus arroubos e defeitos, vencendo as
emoções destruidoras derivadas da ira e da impetuosidade.
Tempos depois, ressurgiu
das profundezas do planeta, renascido de si mesmo. Renascido e purificado, Ogum
emergiu das profundezas, divinizado como orixá.
Arquétipo
Ogum é o orixá da coragem
e disposição para servir e batalhar por um objetivo digno. É a divindade que
faz prevalecer o que é justo e correto, e está sempre disposto a lutar por
isso. Seus filhos costumam ser fortes, destemidos e impulsivos. Perdoam com
dificuldade as ofensas, são arrogantes, e ao mesmo tempo francos, abertos,
sinceros e leais. Um filho de Ogum não desiste de lutar por seus objetivos por
maiores que sejam as dificuldades que venham a encontrar no caminho. Seus
filhos e filhas têm compleição grande, e porte atlético. Ogum é filho de Odudwa
e Iemanjá; seus domínios são os caminhos, as estradas, os combates e demandas
de toda ordem. As suas cores são: azul escuro e branco no candomblé, e vermelho
e branco na umbanda, o sincretismo afrobrasileiro. Quando incorporado no seu
“elegun” (seu ogã) veste roupas azuis, traz na cabeça um tipo de elmo e na mão
direita uma espada. Sua dança é marcial e viril. As oferendas de comidas a ele
consagradas são feijão fradinho e carne crua regados no azeite de dendê. Vinho
de palma também lhe é ofertado na África. O animal consagrado a Ogum é o galo
vermelho. Seu dia da semana é terça-feira, o elemento é o ferro e a saudação
mântrica é: Ogunhê, Patacuri Ogum.
Nanã Buruku - Buruquê
a Deusa Criadora Forjadora de Todas
as Formas de Vida
Na África, as mulheres idosas e respeitáveis são chamadas “nana”. Nanã
Buruku é filha de Olodunare, o deus supremo, e é considerada a deusa-mãe
primordial, aquela que forjou pessoalmente os invólucros carnais humanos
que abrigam os espíritos e permitem que estes vivam sua aventura de consciência
na Terra. Esta deusa forja também todas as formas de vida que servem de
instrumento para os diferentes estágios de consciência que se manifestam na
vida terrena.Este orixá tem seu culto ligado a Obaluaiê (orixá da cura) em
algumas regiões africanas, e é venerado como a deusa anciã, a portadora da
sabedoria do princípio feminino que permeia o universo e da experiência dos
mais velhos. Muitos atribuem sua origem ao Daomé, embora seja difícil
afirmar isso com segurança devido aos pesquisadores terem localizado muitos
outros lugares passíveis de serem aceitos como ponto originário deste
orixá. O povo “ashanti” tem um culto à deusa primordial sob muitos aspectos,
os quais denominam “Nanã Inie”. Para essa etnia, essa deusa desempenha o mesmo
papel criador do deus supremo. Nos templos dedicados à deusa primordial existem
outras entidades que são extensões dela, mas existe um trono consagrado à
Grande Mãe, e somente uma sacerdotisa de Nanã Inie pode tocar nele.No resto da
África, porém, os cantos dedicados a Nanã são em iorubá arcaico, o que denota a
antiguidade do seu culto. Por ocasião dos festivais a ela dedicados as
peregrinações se dirigem a uma região de Gana próxima à fronteira do Togo. Lá
os fiéis se reúnem ao redor de uma grande árvore de “ficus vesiculosus” (odan),
onde cantam e dançam ao som de tambores e agogôs. A maioria dos participantes é
de “yaôs” da deusa. São mulheres idosas que se vestem com panos coloridos
amarrados acima do peito, têm a testa e as têmporas pintadas com giz branco, e
os braços e pescoço cobertos por colares e braceletes feitos de contas
multicoloridas. Elas se apóiam em bastões, e se movimentam com lentidão, ora
para a direita ora para a esquerda, dançando conforme o ritmo.No Brasil e em Cuba Nanã é a deusa ancestral, e também a mãe de
Obaluiaê. Nanã é considerada a anciã sábia e veneranda detentora da memória dos
primórdios do planeta e dos valores espirituais e éticos. Este orixá é a deusa
e senhora das águas paradas e lamacentas, assim como do lodo dos pântanos.
O
Mito
Nanã Buruku é a deusa
criadora do corpo humano. Conta uma lenda de Ifá que Nanã deve a seu cargo uma
missão fundamenal. Antes de enviar os 16 orixás para realizarem na Terra a sua
vontade, Olodumare, o deus supremo, chamou Oxalá e lhe deu uma sacola contendo
sementes de vida. Quando a sacola da criação que Olodumare entregou a Oxalá foi
aberta, Nanã estava presente e encarregou-se de semeá-las. Para tal, ela forjou
a argamassa para que as formas fossem criadas. Por esta razão, ela rege a lama
e o lodo, a mistura de terra e água.
Este orixá é o princípio
feminino portador da força criadora e formadora do corpo físico destinado a
abrigar a sabedoria ancestral de todas as espécies que vivem no planeta. Nanã,
por ser sábia, é muito paciente, tolerante e constante. Simboliza a memória da
criação. Reza o mito que com carinho e cuidado ela amassou terra e água com seu
pilão gerador, e com os próprios pés moldou e formou os corpos humanos e também
dos animais. Ela traz o poder das águas celestiais e primordiais para a Terra.
Permite a manifestação do poder cósmico na natureza diversificada.
Arquétipo
Seus filhos são
tranqüilos, pacientes, meigos, gentis, compreensivos e corretos e dignos de
respeito. Costumam fazer suas tarefas lentamente, porém muito bem feitas.
Caminham devagar, falam pausadamente e possuem grande controle sobre seus
impulsos e emoções. Suas “yaôs” adoram crianças e são excelentes educadoras.
Educam com competência porque são amorosas e firmes na orientação dos seus
educandos. São conselheiras cheias de sabedoria, e procuram sempre criar
harmonia entre as pessoas. Os filhos de Nanã promovem ao seu redor equilíbrio e
acolhimento. São pessoas justas, calmas, tolerantes, ponderadas, doces,
amorosas e muito corajosas.
No
Brasil, quando incorporada, a deusa Nanã dança de forma lenta e imita os
movimentos de quem soca um pilão. Esse orixá veste roupas roxas ou brancas e
azuis, e tem o colo e os braços enfeitados com colares e pulseiras feitos de
contas de vidro brancas e azuis ou roxas. O dia consagrado a Nanã é o sábado, a
comida que lhe é oferecida é arroz branco, inhame e às vezes a oferenda é feita
com quiabos sem azeite e muito temperados. Os animais consagrados a ela são
cabras e galinhas d’angola, que não podem ser abatidas com facas nem nada feito
de ferro ou aço. Este orixá é sincretizado no Brasil como Sant’Ana. A sua
saudação mântrica é: Saluba Nanã!
Obá, a Deusa Guerreira Protetora dos Desvalidos
Obá
é a deusa iorubá que sintetiza o poder de luta, a coragem e capacidade de lidar
com as adversidades inerentes ao Feminino. Interessante notar que este orixá é
considerado mais forte fisicamente do que muitos orixás masculinos. Poder-se-ia
dizer que esta deusa quebra o tabu da fragilidade feminina. Seu axé se assentou
na Nigéria no rio Obá, e dele emana para a África e o mundo. Obá simboliza a
força interior e o destemor da mulher na defesa de seus valores, seus ideais e
princípios. É a precursora milenar da luta feminina pela independência e
autonomia.
A deusa Obá é muito
combativa e grande conhecedora das artes marciais. É respeitada pela sua
destreza com as armas, tendo derrotado vários deuses com facilidade. Somente
perdeu uma luta, para Ogum, porque este lhe preparou uma armadilha temendo que
ela o derrotasse e comprometesse sua reputação de guerreiro invencível. Ogum, o
orixá do ferro, desafiou Obá para um combate, ela aceitou, e no dia marcado
Ogum besuntou o chão onde a luta deveria acontecer com quiabo e azeite. Durante
a luta, Obá, ao fazer um movimento mais brusco, escorregou e caiu, e desse modo
pouco ético, ela foi derrotada.
Este episódio demonstra
que o masculino e o feminino não devem se enfrentar em disputas, e sim buscar a
complementaridade, senão um dos dois sairá derrotado e sofrido. Obá simboliza
também a liberdade sexual, porque ela não se prendia a nenhum homem. Durante
muito tempo, foi casada com Oxalá, Xangô, Orumilá e Ogum. Como Ogum venceu a
contenda, sentiu-se no direito de submeter a deusa aos seus desejos e fez dela
sua mulher. Ela resistiu bravamente, pois não se entrega com facilidade, mas
Ogum foi insistente e criativo nos agrados, e Obá cedeu aos encantos do deus da
guerra com quem afinal das contas tinha muitas afinidades.
Mesmo sendo guerreira
valente e independente, a deusa busca seu complemento masculino e é ardente e
amorosa. Obá é basicamente a deusa que explicita a liberdade de escolha,
fidelidade no que acredita, e a defesa pelos direitos da mulher e dos mais
fracos e desvalidos.
O Mito
Conta o mito que ela
abandonou Ogum por Xangô, tendo se tornado a terceira esposa do rei divinizado.
Xangô era para ela o outro lado do espelho. Obá era fiel, sincera, mas não era
bonita nem sedutora, e ele era ardiloso, bonito, vaidoso, sedutor e instável. O
grande rei sentiu-se desafiado e apaixonou-se pelo destemor, pela independência
e pelo espírito indomável da deusa. Diante dos encantos e agrados de Xangô, Obá
baixou a guarda e não resistiu à paixão que Xangô lhe despertou.
Ele a levou para seu
reino, onde Oxum e Iansã já viviam como suas esposas. Quando Obá chegou à
corte, uma rivalidade logo se instalou entre ela e Oxum. Iansã estava ausente
cumprindo uma de suas missões. Obá era muito apaixonada por Xangô, e o queria
somente para si. Oxum, enciumada com as atenções que Xangô dispensava à nova
esposa, resolveu preparar uma cilada para Obá. A deusa guerreira não media
esforços para agradar Xangô, porém ela não sabia cozinhar bem como Oxum, e
sabendo que Xangô era guloso, pediu que Oxum lhe ensinasse um prato que ele
apreciasse. Oxum costumava fazer pratos maravilhosos que faziam o deleite de
Xangô e maliciosamente se propôs a ensinar Obá. Ela disse a Obá que Xangô
adorava um prato feito com quiabos chamado “amalá”, e que ela, Oxum, havia
cortado as próprias orelhas e colocado para cozinhar junto com a iguaria como
prova de amor e entrega total ao seu homem. Na verdade, ela havia colocado dois
grandes cogumelos na panela, mas Obá, que era incapaz de mentir, acreditou.
Xangô comeu com prazer a
comida e se retirou feliz com Oxum, deixando Obá sozinha. Muito triste, a deusa
se sentiu rejeitada e decidiu que quando fosse a sua vez de cozinhar para o
rei-deus usaria o mesmo estratagema que Oxum e cortaria a orelha também. E
assim o fez. Quando o marido viu que lhe faltava uma orelha ficou horrorizado
e, cheio de repugnância, saiu correndo ao ver que a orelha cortada estava no
meio da comida. Obá partiu furiosa ao encontro de Oxum e quando a encontrou viu
que tinha sido enganada, porque dois lindos brincos reluziam nas orelhas
perfeitas de Oxum. As duas travaram uma luta feroz e Xangô, indignado com a
cena, teve uma crise de furor, e as expulsou do palácio.
As duas se refugiaram
imergindo nas águas dos rios que levam seus nomes. A confluência dos dois rios
apresenta as águas muito revoltas, e os iorubanos dizem que são os sinais da
luta eterna entre as duas deusas.
Interessante notar que
nesta mitologia não existe o conceito de certo e errado como julgamento de
valor. Para os iorubanos o certo e o errado, o bem e o mal são as regras do
jogo da vida. A filosofia de vida dos iorubás é a fluidez e a flexibilidade;
ganhar e perder é a alternância natural. Para eles, ambas estavam lutando como
podiam pelo que desejavam. O estratagema de Oxum é visto como coisa de mulher,
artimanhas, jogos amorosos e mistérios insondáveis que somente as mulheres
possuem. Este mito também ensina o quanto é importante estar atento ao que
subjaz além das palavras, situações, gestos e atitudes. Observar sempre o
subtexto das palavras e intenções.
Arquétipo
Quando Obá se manifesta
em uma das suas “yawôs”, tem sempre um turbante na cabeça escondendo a orelha
decepada, numa alusão a lenda. Suas filhas têm tendências um pouco masculinizadas;
não que sejam homossexuais obrigatoriamente, mas apresentam uma forte energia
masculina nos gestos e na maneira de andar, pensar e falar. São mulheres sem
vaidade que não ligam para moda nem maquiagem, vestem-se simplesmente, não usam
jóias nem enfeites. São geralmente práticas, eficientes, competentes e
objetivas. Em geral são infelizes nas relações amorosas porque não têm jogo de
cintura, nem sabem lidar com as próprias emoções e sentimentos, portanto
tornam-se vítimas dos próprios ímpetos. São mulheres valorosas, leais e
geralmente incompreendidas, mas compensam seu insucesso amoroso com muito
empenho no trabalho, e conseguem sucesso profissional e financeiro, assim como
reconhecimento social. Costumam lutar para ter bens materiais e quando os adquirem,
deles são muito zelosas.
Uma outra característica
das suas yawôs é defender os mais fracos em geral e lutar pelas causas
feministas. A dança de Obá é marcial, ela carrega uma espada em uma das mãos e
um escudo na outra, e faz movimentos de luta. Sua roupa é multicolorida e sem
adereços. Os animais que lhe são consagrados são: cabras, patos e galinha
d’angola. No Brasil foi sincretizada com Sta Catarina. Saudação mântrica: Axé
Obá! Obá!
Obaluaiê
- Omulu - Xapanã
O deus da saúde e da doença
Ele é o deus Xapanã que
pode promover a saúde ou a doença; é tão temido que os adeptos não pronunciam
seu nome sem antes pedir clemência batendo no chão com a mão três vezes.
Acredita-se que o culto a este orixá seja mais antigo do que o culto às demais divindades
que vieram à Terra junto com Odudua. Obaluayê seria um deus de uma civilização
anterior à Idade do Ferro. Isto pode ser notado pelo fato de que durante os
rituais a ele oferecidos, os sacerdotes não usam facas nem nenhum outro objeto
de metal para o sacrifício de animais.
O lugar de origem deste
orixá é nebuloso, mas muitos localizam seu reino em Ibadan e afirmam que ele
teria sido, quando vivo, rei do povo “tapa”. Outros indicam que ele chegou a
Oyó vindo do Daomé junto com sua mãe, Nanã Boruku ou Borukê, outro orixá muito
respeitado do qual falaremos mais adiante. Na África, Xapanã é reverentemente
chamado e invocado como Obaluayê ou Omulu. Em outros locais da África, porém
ele é chamado pelos iorubás Sanponá-Obaluayê, “Rei Dono da Terra”. Talvez numa
referência a fragilidade humana diante das intempéries e das doenças durante a
passagem pela vida terrena. Depende desse orixá a imunidade e a cura de males
físicos.
Mito
Conta uma lenda de Ifá
que Obaluaiê era originário de Tapá, território onde reinava soberano. Um belo
dia, reuniu seus guerreiros e os levou para uma jornada pelos quatro cantos da
Terra. Durante as batalhas que travou pelos caminhos, sempre que lançava suas
flexas acertava o alvo; e aquele que era atingido ou morria ou ficava cego,
surdo, manco, deformado, e, além disso, o lugar onde havia sido atingido ficava
marcado com uma ferida incurável. Por onde ele passava deixava sofrimento e
doenças. Os “mahi”, um dos povos atacados por Xapanã, romperam o ciclo de
desgraças. Depois do ataque, o rei mahi reuniu os sobreviventes e decidiu
procurar um babalaô poderoso. O sacerdote consultou Ifá e recebeu deste a
orientação do que fazer para acalmar a ira de Xapanã. Ifá orientou que lhe
homenageassem e oferecessem pipocas de milho em quantidade e lhe dedicassem
anualmente uma festa denominada Olubajé. Realmente, Xapanã se acalmou e ficou
satisfeito com as homenagens recebidas, tanto que mandou construir em
território mahi um palácio suntuoso para morar, e lá ficou, tendo deixado para
sempre o reino de Tapá. Ao morrer tornou-se orixá. Os “mahis” desde então o
homenageiam e, devido a isso, prosperaram e permaneceram saudáveis e imunes à
varíola e demais doenças mortais que assolavam a África.
Na África as cerimônias
para este orixá acontecem ao ar livre. Os adeptos, depois de passarem por um
riacho a ele consagrado, saem do templo principal e chegam até o mercado onde
uma tenda sustentada por quatro pilastras irá abrigar o axé do deus. Uma mulher
idosa, em transe, carrega o axé; outras tantas vão atrás, carregando gamelas
com comida. Um “elegun” filho de santo, incorporado pelo orixá, segue atrás
delas andando trôpego como quem sofre dores. O deus vem envolto em panos
vermelhos bordados com búzios de rio e traz o rosto coberto. No templo,
Obaluaiê dança ao som dos atabaques sagrados e os fiéis se prostam batendo a
cabeça no chão. No Brasil, quando incorporado no seu “elegun” ele se apresenta
também todo coberto. Veste uma saia de palha da costa desfiada e tem na cabeça
uma espécie de capuz também de palha, que lhe cobre o rosto e chega até a
cintura. Na mão direita carrega o “xaxará” um tipo de vassoura feita de folhas
de palmeira trançadas e bordadas com búzios de rio e contas opacas brancas,
pretas e marrons. Nela estão penduradas pequenas cabaças onde Obaluaiê
carregaria poções medicinais para curar as diversas doenças. Tudo que se refere
a este deus é solene, grave, triste e sombrio.
Arquétipo
Os filhos de Obaluaiê
tendem à depressão e ao masoquismo, gostam de falar de doenças, de tragédias,
de se queixar e contar suas tristezas, dores e frustrações. Sorriem pouco e
nunca estão satisfeitos com o que têm. São pessoas incapazes de viver momentos
de alegria sem pensar que aquela alegria antecede tristezas, e por isso temem a
felicidade. Sua alegria, quando manifestada, é triste e moderada. Possuem
personalidade autopunitiva e costumam ser hipocondríacos e somatizar doenças.
São mordazes e irônicos, mas ao mesmo tempo podem ser muito dedicados a quem
precise deles, a ponto de renunciar ao próprio bem-estar pelo bem-estar alheio.
Outra característica é a auto-estima baixa e a tendência a responsabilizar os
outros por seus problemas e dificuldades.
Quando incorporado, sua
dança é lenta e pesada, e os seus filhos dançam recurvados e alquebrados,
demonstrando fraqueza física e dor. Durante o “Olubajé”, o chão das casas de
culto fica coberto de pipocas. Nessas ocasiões, os fiéis o saúdam pedindo
saúde. Na Bahia, a igreja de São Lázaro, todas as segundas-feiras, também tem o
chão coberto de pipocas.
Este orixá é sincretizado
como São Lázaro. A comida consagrada ao deus é pipoca e “aberem”, milho cozido
e enrolado em folhas de bananeira. Os animais consagrados são: bode e galo. Os
fiéis passam pipocas no corpo para limpar a aura de larvas astrais e se
proteger de doenças. Suas cores são: branco, preto e marrom. O dia consagrado é
segunda-feira. A saudação é Atotô!
Oxum,
a Deusa Primordial da Prosperidade
Oxum é a expressão da
generosidade, beleza, graça, criatividade, doçura, fertilidade e criatividade
do princípio feminino. É a deusa de todos os rios e cachoeiras, a senhora das
águas doces e abundantes que garantem a manutenção da vida. É basicamente o
orixá da fecundidade, da fartura e da prosperidade.
Na Nigéria, esta deusa é
adorada em Ijexá, onde seu axé se assentou e se irradia a partir do rio Oxum.
Um dos nomes de Oxum é Ialodê; este nome é uma honraria que distingue aquela
que vem a ser a mulher mais importante da comunidade. Na África, o seu axé mais
poderoso se encontra nas pedras roladas que ficam no fundo do rio Oxum, nos
búzios e nas jóias feitas de cobre.
O cobre era considerado
antigamente pelos iorubás o mais precioso dos metais. No Brasil, Oxum ficou
associada ao ouro, principalmente depois que o negro escravizado foi trabalhar
nas minas e viu que no novo mundo o ouro era o mais valorizado que o cobre.
Existem vários aspectos
de Oxum com nomes que revelam suas qualidades e poderes. Osun Ijumú é a rainha
de todas as Oxums. A deusa foi casada com Ogum, Orunmilá, Oxossi e Xangô.
Interessante observar a
liberdade amorosa que possuem as deusas nesta tradição, podendo ter vários
parceiros escolhidos por vontade própria. A mulher iorubá constrói sua
identidade espelhando-se nos diferentes aspectos dos orixás femininos, e se
nutre da liberdade e dos poderes das diversas deusas.
Oxum é a deusa que ensina
às mulheres como agradar seus maridos, e a ter filhos. A deusa é, no seu
aspecto mais respeitado, a conselheira sábia Oxun Ayalá, a Avó. Oxum Ajagira é
o seu aspecto guerreiro mais poderoso, embora haja outros nomes para denominar
o mesmo aspecto dela como valente guerreira. Yeyé Morin é o aspecto gracioso,
meigo, dengoso, faceiro e elegante do orixá.
O Mito
Como já disse
anteriormente ao narrar o mito de Exu, Oxum é sua mãe por partenogênese, embora
em algumas versões, ele apareça como filho de Iemanjá. Porém, em todos os
contos consta que os orixás quando vieram à Terra excluíram as mulheres das
decisões que seriam tomadas para cumprir a missão que lhes foi confiada por
Olodumare: organizar a vida no planeta. O resultado dessa exclusão foi a
esterilidade dele, das mulheres, das terras e também a desolação e o fracasso
de todos os empreendimentos. Somente Oxum tinha o poder de restaurar a
fecundidade deles, das mulheres, das terras e a prosperidade e êxito nos
empreendimentos. Sem a intervenção do princípio feminino não existe beleza,
fartura nem felicidade, segundo os iorubás.
Os reis de Oxogbô adoram
Oxum e fazem grandes festas em sua homenagem. Uma das lendas conta que o rei
Laro, o iniciador da dinastia, tinha uma filha muito amada que um dia foi
banhar-se no rio Oxum e sumiu. Depois de procurarem em vão pela moça, o rei vê
a filha surgir das águas do rio lindamente vestida e adornada com jóias. Muito
agradecido, o rei dedicou a Oxum muitas oferendas. Os peixes, mensageiros da
deusa, vieram comer as iguarias ofertadas em sinal de aceitação do ritual pela
deusa, e as águas transbordaram e fertilizaram o terreno trazendo boa colheita
riqueza e alegria. Muito agradecido, o rei disse então: “Osun gbô” (Oxum
atingiu a maturidade e está procriando). Esta é a origem do nome da cidade de
Oxôgbô.
Arquétipo
O arquétipo de Oxum é o
das mulheres bonitas, graciosas, astuciosas, ardilosas, faceiras, dengosas, elegantes,
corajosas, amorosas e acolhedoras. Suas filhas e filhos são bonitos e também
muito vaidosos e cheios de charme. As mulheres são voluptuosas e sensuais
embora sem exageros. Algumas, sob aparente fragilidade, escondem uma vontade
forte e muita determinação; lutam e até criam artimanhas para conseguir o que
desejam.
Quando a deusa incorpora
em suas ‘Yaôs” usa roupas luxuosas de cor amarela, portando na cabeça uma coroa
dourada com franjas de cristal amarelo que lhe cobrem o rosto (as “iabás”,
orixás femininos, costumam trazer essa franja cobrindo os olhos para amenizar o
poder devastador da sua sedução e a força do seu olhar). Na mão direita segura
o “ abebê”, um tipo de espelho dourado onde se olha enquanto dança, fazendo
movimentos sinuosos.
No Brasil os fiéis
costumam colocar dinheiro na saia de Oxum. Por isso, enquanto ela dança ergue
um pouco a sobressaia e desse modo vai aparando o dinheiro. O babalorixá ou
ialorixá depois utilizará esse dinheiro para garantir o que for necessário para
manter o axé da deusa ativo e poderoso.
O
seu dia da semana é o sábado. O seu elemento é a água doce, e o domínio os
rios, lagos e lagoas de água doce e cachoeiras. Oxum rege a maternidade, a
fertilidade, a beleza e a prosperidade. A sua cor é o amarelo. As oferendas de
comida são “mulucum” (feijão fradinho,cebola e camarão), “adun” (farinha de
milho misturada com mel de abelha e azeite doce) e xinxim de galinha. Os
animais a ela consagrados são a cabra, a pata e a galinha d’angola. No
sincretismo ela é Nossa Senhora da Conceição. Sua saudação mântrica é: Aieie wô
e Ora ieiê wô!
Oxumaré, o Deus da Riqueza e da Esperança
Tanto na África como no
Brasil Oxumaré é o arco-íris. A serpente multicolorida que une o céu e a Terra.
É o orixá da flexibilidade, da mobilidade, e o senhor das forças que geram
transformação e renovação. Ele simboliza a continuidade da vida, a
descendência, a riqueza e a unidade na diversidade de todas as formas da
criação.
Na África Oxumaré é o
orixá que zela pelo cordão umbilical dos recém-nascidos. Depois do parto, os
pais enterram o cordão e a placenta sob uma árvore que a partir desse momento
torna-se uma propriedade que estará sob a responsabilidade dessa criança por
toda a vida; a criança deverá cuidar dela com o mesmo carinho que deverá cuidar
de si mesma.
Este orixá nos ajuda a
aceitar a alternância natural entre o certo e o errado, o bem e o mal, a chuva
e a calmaria, a riqueza e a pobreza, o sucesso e o fracasso. Oxumaré é
representado também como uma serpente mordendo a própria cauda, como um
“ouroboros”. Oxumaré enrola-se em volta da Terra para que o planeta não se
desagregue e para que toda a criação se mantenha em equilíbrio.
Para garantir boas
colheitas ele recolhe a água que a chuva derramou sobre a terra e a leva de
volta aos céus para formar de novo as nuvens e garantir que não haja seca nem
escassez.
Oxumaré é o integrador
das diferenças, ele confere a habilidade para evitar atritos e congregar as
pessoas em nome de um mesmo propósito. É interessante ressaltar que o arco-íris
é formado por gotículas multiformes que, unidas, refletem todos os tons dos
espectro da luz; assim, toda a criação se manifesta de diferentes formas e os
seres humanos, embora apresentem particulidades e diferenças entre si, refletem
a luz do mesmo Princípio Divino.
O Mito
Conta uma lenda de Ifá
que Oxumaré, quando vivia na forma humana, era um babalaô muito respeitado por
seus dons mágicos, e muitos reis vinham até ele para consultar os oráculos.
Dentre esses reis, Olofin, rei de Ifé, era o mais assíduo, mas costumava pagar
muito pouco pelos serviços de Oxumaré, que vivia muito pobremente.
Um belo dia a rainha de
um reino vizinho veio pedir-lhe ajuda porque tinha um filho muito doente e
ninguém conseguia diagnosticar o mal que atormentava o garoto. O menino tinha
dificuldades para ficar em pé e tinha crises inexplicáveis. Sem motivo
aparente, rolava sobre as cinzas quentes dos fogareiros ou fogueiras, quando as
via. Oxumaré curou a criança e a rainha, muito grata, reompensou-o regiamente.
Quando ele voltou para
Ifé estava rico; apresentando-se muito bem vestido com tecidos suntuosos e
jóias, deixou todos os moradores espantados, e mais do que todos, Olofin. Ao
saber da generosidade da rainha, o rei ficou envergonhado e refletiu sobre o quanto
havia desconsiderado e sido mesquinho e avarento com o babalaô que tanto o
ajudara. Daí, resolveu dobrar a paga que Oxumaré recebeu da rainha.
Oxumaré viveu em
abundância, mas nunca deixou de servir aqueles que o procuravam. Olodumare, o
deus supremo, satisfeito com o trabalho prestado por Oxumaré na Terra, mandou
que ele fosse até os seus domínios no infinito, e nunca mais se separou dele.
Desde então, ele se tornou orixá, mora no céu e somente de vez em quando vem à
Terra, e quando o faz é para trazer aos seres humanos alegria, renovação,
esperança, riqueza e harmonia. No Daomé ele é chamado “Dan” (serpente), onde é
ainda mais venerado do que entre os iorubás de Ifé.
Arquétipo
Como Oxumaré é o orixá do
movimento, assim como a cobra que se arrasta sinuosa pelo chão sentindo as
pulsações da Terra e a fluidez das águas dos rios, seus iniciados também têm
intimidade com a fluidez, as transformações e a renovação constante, assim como
o desapego e aceitação do novo e do inesperado. As serpentes trocam de pele
quando esta se torna inadequada, deixando pelo caminho a pele velha que não
lhes serve mais. Os “eleguns” e yawôs de Oxumaré, do mesmo modo aceitam as
mudanças com facilidade e são desapegados. Oxumaré ensina aos fiéis como se
desapegar de coisas, defeitos e pessoas, ensina como abrir mão para poder
receber o novo. Seus protegidos são alegres e vaidosos, mas são desprendidos,
leves, ágeis e elegantes. Costumam ter grandes e belos olhos e um corpo
flexível e ágil. Sua dança é graciosa e consiste de movimentos ondulatórios
alternados fazendo a ligação entre a Terra e o céu, ora apontando para baixo
ora para cima. Nas mãos, este orixá carrega uma cobra de ferro; na vestimenta,
um arco-íris: suas vestes têm todas as cores. É cultuado nos rios e cachoeiras
e suas comidas são: feijão com milho, azeite de oliva e dendê; camarão cozido
com cebola. Os animais consagrados a Oxumaré são o bode e o galo. Seu domínio é
o arco-íris, que prenuncia união entre a sobrevivência e a transcendência. Seu
dia é terça-feira. No sincretismo é São Bartolomeu. Sua saudação é: Arrô Boboi.
Ossain,
o Senhor das Folhas
Ossain é o orixá que rege
a energia das florestas, o poder das folhas em geral e especialmente as plantas
medicinais e litúrgicas. É a divindade sem a qual não pode existir nenhuma
cerimônia, porque é detentor de um axé (poder) imprescindível, do qual dependem
inclusive os outros deuses. Esse axé é o poder mágico que está adormecido nas
folhas e plantas e as palavras sagradas (ofó), ditas pelo babalaô ou yalorixá despertam
os princípios ativos intrínsecos a cada uma delas, e quem permite que a energia
de cada um desses princípios seja liberada é Ossain.
As plantas e folhas são
colhidas pelos sacerdotes e sacerdotisas com extremo cuidado e respeito. As
plantas devem ser colhidas na floresta onde elas nascem naturalmente, não
servem as cultivadas em jardins.
Ossain vive nas florestas virgens
em companhia de Aroni, uma espécie de duende de uma perna só, que como o nosso
lendário saci pererê, pula e fuma constantemente suas folhas prediletas em um
cachimbo feito de concha de caracol.
Quando os curandeiros e
sacerdotes vão colher as folhas curativas e litúrgicas devem antes banhar-se
com ervas purificadoras e evitar relações sexuais no dia anterior à colheita.
As relações sexuais devem ser evitadas porque no seu campo áurico não pode
vibrar nenhuma energia alheia; a conexão ficaria prejudicada. Durante a
colheita não devem falar e quando chegam no lugar onde estão as folhas, devem
deixar uma moeda no chão como oferenda de gratidão.
Este orixá é originário
da Nigéria, perto da fronteira com o Daomé. Somente os babalaôs e yalorixás
podem manipular o poder das plantas de Ossain, que somente permite que as
plantas emanem seu axé mediante saudação ritualística conhecida somente pelos
sacerdotes. Entre os iorubás isso demonstra a supremacia dos babalaôs e
yalorixas sobre os curandeiros e os demais membros da comunidade.
No Brasil é um orixá mais
cultuado entre os iniciados e pouco conhecido do grande público.
O mito
Uma lenda de Ifá narra
que Ossain tem como auxiliar um pássaro muito poderoso que voando por toda
parte lhe traz informações sobre tudo que se passa no mundo. Ele é representado
com esse pássaro descansando em cima de sua cabeça. As mulheres conhecedoras da
magia das folhas são chamadas “proprietárias do poder do pássaro”.
Ossain recebeu de
Olodumare o segredo e o poder das folhas e era muito zeloso delas, queria esse
poder somente para ele e se recusava terminantemente a repartir com os outros
orixás. Um dia, aborrecido com essa exclusividade, Xangô disse a Iansã, sua
mulher, que isso não era justo e que Ossain deveria compartilhar seu axé com os
demais orixás. Iansã, que não podia ver Xangô insatisfeito resolveu tomar uma
providência. A deusa começou a agitar violentamente suas saias e obedecendo ao
comando da Senhora dos Ventos, um vento começou a soprar violentamente. O
segredo da magia das plantas ficava numa cabaça pendurada num galho de árvore e
Ossain cuidava dela com muito afinco. Mas nada resiste ao vento e a cabaça caiu
no chão e se quebrou. Ossain correu para ver o que tinha acontecido e vendo a
cabaça em pedaços gritou: “Ewé O! Ewé O!” (Oh! Folhas! Oh! Folhas!), mas já era
tarde, pois elas tinham se espalhado e os demais deuses escolheram aquelas que
queriam para si e as levaram. Portanto, graças a Iansã cada orixá tem suas
folhas sagradas. Mesmo assim, despertar o axé contido nelas é prerrogativa de
Ossain.
Arquétipo
Os filhos de Ossain são
ágeis, descontraídos, possuem caráter firme e têm domínio sobre suas emoções.
São leves e soltos e possuem mente aberta para inovações. São abertos para o
desconhecido e o inesperado e avessos a julgamentos morais sobre as pessoas.
Perseguem seus objetivos com perseverança, estando atentos para os sinais que a
vida apresenta. Seus adeptos quando incorporados usam roupas verdes e brancas,
um turbante na cabeça e enfeitam o pescoço e braços com colares e braceletes
feitos de contas também verdes e brancas. Trazem nas mãos um pássaro de ferro
em alusão ao seu mensageiro mágico. Sua dança tem coreografia variada feita de
passos rápidos e saltitantes num ritmo sincopado e ligeiro. O seu dia é sábado
e os animais que lhe são consagrados são bodes, galos e pombos. Sua saudação
mântrica é: “Ewê Ô”!
Oxossi,
o deus provedor da caça e da agricultura
Oxossi é o orixá
provedor, ao mesmo tempo protetor do caçador e da caça, isto porque ele é o
responsável pelo abastecimento e pelo equilíbrio da natureza. Ele provê também
as boas safras na agricultura protegendo a lavoura contra pragas, porque é
guardião e o obtentor de alimentos de maneira geral. Na África sua maior
importância é de ordem material. Ele garante a sobrevivência, é o orixá que
orienta onde encontrar o terreno propício para se formar uma nova roça, e uma
nova aldeia. É Oxossi quem define metas e objetivos para uma comunidade ser
próspera e pacífica. Provê também a saúde como senhor dos mistérios da cura,
porque é conhecedor dos segredos das raízes e infusões terapêuticas.
Odé quer dizer “caçador”
em iorubá, e Oxossi Odé também atua como mantenedor da ordem e administrador
das comunidades onde reina. Sua ação espiritual nos devotos é de eliminar os
defeitos e maus hábitos e despertar as qualidades e talentos naturais.
Interessante notar que o
culto a Oxossi na África de hoje é muito pouco difundido, e no Brasil e em Cuba
ele é um orixá de grande importância. Em Cuba ele é chamado o “oculto” porque
na leitura do “opelê” (rosário de Ifá) ele não se manifesta explicitamente, mas
irradia seu axé como um misterioso observador das ações dos seus filhos.
Ele é o orixá diplomata,
flexível e conciliador, por isso enfrenta com facilidade o inesperado e as
situações ambíguas. Ao contrário dos seus irmãos Exu e Ogum, Oxossi é calmo,
ponderado e paciente. Ele simboliza a paciência, a atenção, a concentração, a
determinação, a objetividade e a definição de propósitos.
Quando Oxossi se
apresenta e dança no “xirê”, traz numa das mãos o arco e a flexa e na outra, um
espanta-moscas feito de rabo de leão ou cavalo (o erukerê). Essas são suas
insígnias e símbolos reais que lembram aos fiéis que Oxossi foi rei de Keto.
Ele dança com muita agilidade e graça imitando uma caçada, ora erguendo o arco
e a flexa, ora abanando o erukerê.
Este orixá é sincretizado
no Brasil como São Sebastião.
O mito
Conta o mito que Iemanjá
tinha muito carinho por seus filhos Oxossi, Ogum e Exu (como disse
anteriormente, em algumas lendas Exu é filho de Iemanjá). Exu era muito rebelde
e desobediente e saiu de casa cedo. Os outros dois eram mais dóceis e
obedientes e viviam com a mãe. Ogum trabalhava no campo e Oxossi caçava nas
florestas e a família vivia em harmonia, alegria e abundância.
Iemanjá tinha muita
preocupação quando Oxossi saía nas incursões pelas florestas, e consultou Ifá
sobre o que fazer. O portavoz de Olodumare revelou que Oxossi corria perigo e
que deveria deixar de caçar nas florestas, porque poderia encontrar Ossain, o
Senhor das Folhas, e ser vítima de um encantamento que o afastaria da mãe.
Oxossi, com uma
personalidade muito independente, desobedeceu e voltou a caçar como costumava
fazer. Certo dia, Oxossi não voltou para casa. Ele havia encontrado Ossain, que
o atraíra com seu canto mágico e dera-lhe uma beberagem feita de folhas
maceradas, provocando nele amnésia, conforme havia anunciado Ifá. Sem saber
mais quem era nem onde morava, ficou vagando na floresta.
Iemanjá, sofrendo pela
ausência do filho, pede a Ogum que vá à procura de Oxossi. Ogum, que tudo
encontra, trouxe o irmão de volta, mas os dois resolveram dizer à mãe que
preferiam viver fora de casa, ao ar livre. E desde então Oxossi vive junto de
Ossain na floresta e Ogum vaga pelos caminhos da vida. Iemanjá, de tristeza
chorou tanto que suas lágrimas formaram o rio Ogun (não confundir com o orixá).
Arquétipo
Os filhos de Oxossi
apresentam no caráter e no comportamento as qualidades do seu orixá protetor, e
também são pessoas muito atentas e alertas, flexíveis e dotadas de espírito de
serviço. São pessoas cheias de iniciativa e muito responsáveis, embora livres e
leves. Costumam ser encantadoras, joviais, alegres e criativas, além de serem
dotadas de agilidade mental e física. Os protegidos de Oxossi são refinados e
possuem muito apreço pela beleza, sendo vaidosos e sedutores. Os domínios deste
orixá são as matas, florestas e campos de plantações. Suas cores são azul
claro, branco e dourado. As comidas que lhe são oferecidas são: axoxó, feijão
fradinho torrado, inhame e feijão preto. Os animais a ele consagrados são: bode
branco ou bege, porco e galo. O dia da semana dedicado a Oxossi é a quinta-feira.
Sua saudação é: Okê, Okê Arô.
Xangô,
Rei e Orixá
Xangô é um orixá que
ocupa um lugar de suma importância no panteão africano. É respeitado pela força
proveniente do discernimento, do intelecto iluminado. É o orixá que inspira
lucidez, as escolhas adequadas e o senso de justiça. Xangô é também o
orixá-símbolo da autoridade, do gerenciamento, da competência, da coragem e da
retidão.
Ele é muito venerado na
África ainda nos dias de hoje. Fora da África, o culto a Xangô pode ser
encontrado nas Antilhas, em Cuba e no Brasil.
Na natureza Xangô tem sua
expressão nos relâmpagos, raios e trovões, e o seu axé se concentra nas
pedreiras. Quando encarnado, este orixá foi rei de Oyó. Depois de morto foi
divinizado devido à grandiosidade do seu caráter.
É importante ressaltar
que dentre os iorubás o caráter dos homens e mulheres é extremamente
valorizado. Xangô é sempre invocado para arbitrar entre o bem e o mal, o certo
e o errado, pois ele garante a harmonia e a ordem social. Ele é o símbolo da
liderança a serviço do Bem.
O mito
Xangô era filho de um
grande rei e o segundo na sucessão do trono do feudo da família. Desde criança,
demonstrava grandes qualidades de caráter e habilidades com as armas, além de
ser muito bonito e conquistador. Quando adulto, durante uma guerra, o irmão que
deveria assumir a defesa do feudo mostrou-se fraco e relutante nas decisões, e
então Xangô assumiu a liderança. O jovem príncipe, com sua competência,
criatividade, estratégia e coragem, venceu a batalha. O povo que o adorava,
depois dessa vitória exigiu que o rei fizesse de Xangô o seu sucessor.
Entronizado rei, ele empreendeu inúmeras batalhas para defender seu reino que
era invejado pela constante prosperidade e cobiçado por muitos. Expandiu seus
domínios, agregando ao reino muitos outros territórios, e foi assim que se
tornou o soberano absoluto de Oyó. Seu reino estendia-se do Benin ao Dahomé.
Para governar com ele escolheu 12 ministros entre príncipes e lideranças de
outros reinos. Na sala do trono, seis ministros se posicionavam à direita do
rei, e seis posicionavam-se à sua esquerda. Os seis da direita mostravam um
lado da questão a ser resolvida e ou outros seis o outro. Desse modo Xangô ao
centro era sempre o fiel da balança e arbitrava com justiça.
O símbolo de Xangô é o
“Oché” (um machado de duas lâminas). É um símbolo de poder semelhante a um
cetro real que indica a dualidade (a lâmina dupla) e o bastão que as sustêm
simboliza a capacidade de discernir e escolher conscientemente e com visão
ampla.
Xangô era um homem muito
bonito e sedutor e as mulheres se rendiam aos seus encantos. Casou-se com as
deusas Iansã, Oxum e Obá. O olho de Xangô “Oju Obá” é o olho que tudo vê,
semelhante ao olho de Hórus na mitologia egípcia e ao olho de Shiva na
mitologia hindu.
Arquétipo
Seus filhos e filhas são
bonitos, altivos, criativos, majestosos, seguros de si e elegantes. São
refinados e gostam do que é belo, fino, delicado e exótico. Têm temperamento
forte e não gostam de ser contrariados. Geralmente são alegres, mas podem ser
dominadores e intransigentes. Seus protegidos e yaõs abominam injustiças e
defendem sempre os mais fracos e desvalidos. São líderes natos, têm tino para
negócios e costumam ser bem sucedidos financeiramente. São excelentes oradores
e possuem enorme magnetismo pessoal. Fazem muito sucesso com o sexo oposto e
são muito sedutores, porém, nem sempre são fiéis. Fisicamente têm o porte
atlético, o rosto belo com feições bem marcadas, voz de tom agradável e mãos
expressivas. No Ilê, o local de culto, o axé de Xangô está no assentamento a
ele dedicado, onde os símbolos de seu poder, o Oché (o machado) e o Otá (uma
pedra retirada intacta de uma pedreira) estão expostos. A comida consagrada a
Xangô é o amalá de quiabos. Sua “djina” ou saudação é: Kaô Kabeci Ilê.
Ibeji,
os Deuses da Alegria
Os Ibeji são divindades
gêmeas. Eles são orixás crianças, às vezes representados como um menino e uma
menina. Estes dois deuses gêmeos regem a descontração, o entusiasmo, a alegria,
a curiosidade, a leveza, a fluidez, a criatividade e a esperança.
Na natureza tudo o que
brota e se transforma é regido pelos Ibeji. Eles brincam alegres nas nascentes
dos rios e dançam soltos e livres na natureza comandando os elementos, os
elementais e o ciclo das estações do ano. Os Ibeji conferem aos homens e
mulheres a capacidade de se surpreender prazerosamente, de se deslumbrar e de
ter interesse constante por descobrir, aprender e compartilhar.
Para os iorubás casar e
ter descendência é fundamental; a esterilidade tanto masculina quanto feminina
é considerada uma punição, o abandono da pessoa pelas forças do universo. É
algo causador de um grande sofrimento pessoal, além de ser motivo de
constrangimento comunitário. Os Ibeji, para esse povo, são os orixás que
garantem a renovação da vida e simbolizam também a perpetuação da espécie e dos
genes dos ancestrais. Para um povo tribal isto é de máxima importância; os
iorubás vêm nos filhos o sentido de ter vivido e a homenagem prestada à sua
linhagem. Eles têm que ser férteis como a Mãe Terra o é, para poder
considerarem-se dignos de ser feliz e cumprir o seu papel na natureza.
Os iorubás se autodefinem
como ossos dos ossos dos seus ancestrais, e por isso ter descendência é
fundamental. No Brasil os Ibeji são sincretizados com os santos católicos Cosme
e Damião. No dia 27 de setembro, dia dedicado pela Igreja Católica a estes
santos, os adeptos do candomblé homenageiam os Ibeji ofertando bolos, doces,
bombons, balas e refrigerantes às crianças em
geral. Levam doces e brinquedos
para crianças nas creches, e costumam também deixar oferendas de doces e
brinquedos debaixo de árvores frondosas nos jardins e parques públicos. Nas
casas de culto os adultos se reúnem para comemorar partilhando um prato
africano feito com quiabos, castanhas, amendoim torrado, peixe, camarão fresco
e seco, regado com azeite de dendê, e perfumado com coentro, cominho e pimenta
de cheiro denominado caruru. É muito comemorado na Bahia o Dia dos Ibeji,
quando também em suas casas as famílias formadas por adeptos ou não, servem o
“caruru de dois-dois” para os amigos. Em algumas regiões do país são servidas,
para acompanhar o caruru, postas de peixe com arroz de acaçá (um arroz cozido
no leite de coco). Esta é a comida dedicada aos orixás-criança.
Suas cores são vermelho e
verde. Os animais a eles consagrados são os frangos de leite.
Arquétipo
Os protegidos dos Ibeji
são inovadores, curiosos, alegres, e brincalhões, mas são exigentes e
facilmente irritáveis e birrentos quando contrariados. Magoam-se à toa, porém
esquecem as mágoas com facilidade sem guardar rancor.
O dia de Cosme e Damião é
a festa das crianças, e é quando a criança interna dos adeptos pode se
expressar livremente. Incorporando o seu Ibeji, o fiel se comporta e fala como
uma criança. Esta é a maneira sagrada que a psicologia iorubá encontrou para
curar mágoas, frustrações e feridas que ainda sangram no coração da criança
interior dos adeptos adoradores dos orixás.
A saudação é Ibeji!
Ibeji!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em todas as culturas as
questões humanas mais profundas deram origem às filosofias e às diferentes
mitologias. Os mitos são facilitadores para o entendimento de quem somos nós, o
que estamos fazendo aqui na Terra e qual é nosso papel na vida, no tempo e no
espaço. Os mitos também se referem à essência de tudo que existe, apontam os
valores éticos e espirituais e o comportamento. Estes deuses encarnam valores
estruturais e formatam a maneira como compreendemos e sentimos as coisas, a nós
mesmos, a natureza e os outros. Eles nos apresentam diferentes níveis de
realidade e descrevem não apenas fatos, mas as possibilidades mágicas latentes
em nós e em tudo que experienciamos, e por isso ampliam a nossa percepção e
compreensão do mundo. Os mitos descrevem a nossa relação com a Realidade
Absoluta, e desta com todas as demais realidades relativas. O Sagrado, sendo a
base de tudo, permeia todas as estâncias do ser humano e se revela como a
vestimenta externa da natureza, e a energia que vibra e pulsa no cosmo e na Terra.
Como em toda mitologia,
os orixás são exteriorizações do Sagrado e do seu poder imanente e
transcendente. Como vimos através dos diversos orixás, a tradição Iorubá
apresenta uma mitologia rica e bela, que não precisa ser temida, mas sim
conhecida e respeitada. A teogonia milenar dos orixás é sofisticada e dotada de
valores e de significados profundos.
A mitologia é
integradora. As diferentes mitologias unificam as diferenças raciais, culturais
e religiosas porque se aproximam entre si, e nos reaproximam das outras
culturas e da experiência mística dos demais povos. Para nós brasileiros, é
muito importante conhecer a essência dos mitos e cultos africanos, assim como
os mitos e rituais da tradição indígena, porque eles constituem o panteão
mítico que palpita no inconsciente coletivo do povo brasileiro. Quando nos
afastamos das tradições ligadas à natureza, nos afastamos do resto da criação e
excluímos por preconceito e prepotência o conhecimento ancestral e preciosas
experiências religiosas e místicas. A exclusão sempre desrespeita e
desconsidera porque explicita nosso medo do diferente e da diversidade no mundo
natural e humano.
É preciso lembrar que
estamos entrando numa nova espiral de evolução de consciência, e é chegada a
hora de superar erros e defeitos pelo exercício das qualidades e virtudes.
Desaprendemos como unificar o homem natural, o homem intelectual e o homem
espiritual. Não sabemos como reconhecer o divino em nós e no semelhante, por
isso precisamos despir as armaduras do medo, e seguir a inteligência do coração
que traduz as mensagens da nossa alma. Somos todos manifestações da natureza e
da vontade do mesmo Deus. Acolher o diferente permite autodescobertas que nos
fazem aprender e sentir a unidade na diversidade com as variadas expressões culturais
e religiosas. E desse modo abrimos espaços interiores para que o amor divino se
manifeste em nossos pensamentos, sentimentos palavras e ações. Somente assim
podemos viver plenamente o esplendor da nossa humanidade.