Quando há amor, o ou(t)ro é revelado em nós.
A química atrai os corpos. Secretamente pelo olfato, explicitamente pela delicadeza do toque ou pelo encaixe e entrelaçamento da forma. É uma magia que se inicia na aproximação e se consolida no entrelaçamento. Num processo que ultrapassa a nossa razão.
Essa química é exatamente as forças da natureza atuando em nós, independente da nossa vontade consciente. Química é importante, mas um relacionamento não se sustenta apenas na química. Não se sustenta apenas nessa atração inconsciente. Todo relacionamento é uma construção, uma arte diária, uma Alquimia constante de descoberta. E toda Alquimia consiste em dois processos fundamentais. Um deles é desvendar as forças da natureza, ao mesmo tempo reconhecendo que por mais conhecimento que tenhamos dela, o mundo será sempre um mistério para nós. Ou outro é, a partir do entendimento e da magia das forças das Natureza, chegar ao elixir da Vida.
Aplicando esses dois caminhos na arte do relacionamento, é preciso que saibamos que nós somos um enigma para nós mesmos e que o outro, portanto, também sempre será um enigma para nós. E há uma beleza incrível nesse reconhecimento. A beleza da sedução e da descoberta como possibilidade diária. Cada dia é um mistério para nós, por mais que nossos hábitos tentem nos fixar no tempo e mostrar que não há novidades. Sempre há nascimentos, transformações, revelações estonteantes em um dia. O contato com a natureza nos evidencia toda essa beleza num desabrochar de uma flor, num pôr-do-sol, num nascer da lua, nos movimentos do mar, que nunca são iguais e nunca se repetem.
A Vida será um grande mistério sempre parcialmente revelado para nós e nos surpreenderá se nosso olhar não se estagnar. O outro será sempre um mistério parcialmente revelado para nós se nosso coração e a nossa mente não se renderem aos hábitos. Achar que entendeu tudo o que se deveria entender e que já viveu tudo o que poderia viver na Vida é uma equivocação comum que muitos cometem e que nos tira o encanto que ela constantemente nos oferece. Assim como achar que entendeu o outro e que não há nada mais nele a ser revelado nos faz perder a visão de que um relacionamento é uma arte de sedução, de abertura, de construção e de desconstrução diária. O outro será sempre um desdobramento da vida em nossa vida se assim permitirmos e se tivermos o espírito e a presença mútua para assim cultivar uma relação.
Mas a arte da Alquimia não nos falava apenas de mistérios e suas revelações. A arte da alquimia consiste em descobrir, em meio às transformações da Vida, o elixir da imortalidade, o soma. Esse néctar é a substância mais sutil e a mais sublime da Criação. É a fonte da juventude, pois é em si mesma a origem de tudo o que nasce e aquilo que permeia tudo o que existe. Esse processo simbolicamente é associado à transformação do chumbo em ouro. Para os Alquimistas, o ouro já está no chumbo. Por processos alquímicos, o excessos são retirados e o outro é revelado. Esse ouro é o amor, a essência de cada um de nós. Aquilo que todos buscamos em qualquer relação é o encontro amoroso.
Quando há amor, o ou(t)ro é revelado em nós. O que buscamos através do outro é o Amor, que é a Unidade da Vida, a sensação de não separação. O Amor é o que nos mantém unidos e é a própria união, é quando nos encantamos pelo outro, quando até mesmo o olhar do outro nos acalma, e através dele nos reconhecemos. Num relacionamento, é pela aceitação incondicional do outro que afrouxamos as nossas defesas e nos aceitamos completamente. Nessa aceitação, o amor se revela como a fonte do que buscávamos. Por isso ele se basta, temos a sensação de que encontramos o tesouro da Vida. Esse Amor é a fonte de nós mesmos e a essência fundamental do outro.
Esse é o passo final da Alquimia, mas não deixa de ser um processo constante, uma arte de olhar. Quando mantemos esse reconhecimento da natureza essencial do outro como não diferente da nossa, criamos um espaço para a compaixão e para a aceitação das suas diferenças e das suas sombras quando elas se revelam aos nossos olhares. O relacionamento deixa de ser uma janela através da qual vemos algo distante de nós, para se tornar um espelho, uma oportunidade de nos enxergarmos através do outro. Seja a nossa luz amorosa ou as nossas sombras. A arte e o desafio constante é ver através das sombras a luz que sempre brilha. Através do metal mais pesado, do chumbo, a natureza pura e constante de brilho que somos, o ouro. Um relacionamento que promove o amor e o crescimento é o relacionamento em que, neste espelhamento, a arte se torna reconhecer as sombras mas exaltar a luz. E esse processo não se dá quimicamente, ou seja, inconscientemente, esse é um caminho de construção artística, uma Alquimia.
Tales Nunes
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