O tempo é circular. Tudo o que ocorre ao longo
dele é cíclico. Cada final traz um novo começo(...)
Um breve momento é
resultado, e semente, de processos imensamente longos. Segundo a
filosofia esotérica, também cada ano que passa é um resumo de toda a nossa
vida. O final de cada ciclo é oportuno para refletir sobre nossas vitórias e
dificuldades, fazer um balanço – e renovar a decisão de viver de
maneira sábia.
As quatro estações do ano
correspondem de certo modo às quatro grandes etapas de uma vida humana. A
segunda metade do inverno é a infância, que prepara a primavera da juventude.
Por enquanto, tudo parece ajudar o nosso desenvolvimento pessoal: somos
protegidos e educados, e as tendências da natureza conspiram a nosso
favor. Já na primavera e no verão, que correspondem ao período que vai da
juventude à meia-idade, se dão os grandes desafios e as principais
realizações. Depois vem o outono, a primeira parte da velhice, quando é hora de
recolher-se ao fundamental e de substituir com a sabedoria acumulada
a força que falha cada dia mais. O ciclo termina com a primeira
metade do inverno, a parte final da velhice. Esta é a época da grande
renúncia, da travessia de volta para o todo universal, de onde um dia
viemos, e de onde no futuro poderemos emergir novamente para
uma outra forma de existência, sem nada lembrar do ciclo anterior.
O que permite distinguir
as quatro diferentes estações é o ciclo anual da distribuição da energia
solar. O sol é a grande fonte de vida material e espiritual em nosso
planeta. O futuro de cada força vital depende diretamente da sua relação com
ele. Muito mais que uma estrela física, o sol é na verdade o logos solar, a
fonte espiritual de tudo o que ocorre em cada um dos seus planetas. Assim, o
ciclo da luz solar em nosso planeta também constitui um mapa que assinala a
longa jornada de cada alma humana, com seus períodos de expansão e
retração, crescimento e decadência, morte e ressurreição.
A palavra solstício, de
origem latina, significa “sol imóvel”. No momento máximo do verão, o solstício
é o momento em que a luz do sol para de crescer, para voltar a diminuir,
abrindo espaço para o outono. Já no auge do inverno, o solstício indica o
momento em que a luz do sol para de diminuir, para voltar a crescer, preparando
a primavera. O solstício do inverno é o momento da noite mais longa do ano, a
partir do qual o sol passa a recuperar forças. Daí a ideia de nascimento, ou
renascimento. No hemisfério norte, este evento astronômico corresponde ao
período do Natal, porque os cristãos adotaram para si a antiga
Festa do Sol da tradição pagã.
No hemisfério sul, o
solstício de inverno corresponde às nossas festas juninas. Nelas, o fogo
noturno simboliza a luz do sol vencendo a noite. A imagem corresponde à
primeira grande iniciação. Há um nascimento espiritual depois de um
longo período probatório em que o buscador da verdade foi duramente testado
pela vida. Desperta o Cristo interior, ou seja, a intuição espiritual, a luz de
Buddhi. No Novo Testamento, Jesus fala (para o bom entendedor) da
primeira iniciação ao ensinar: “Em verdade lhes digo que, se não mudarem,
e não se tornarem como as crianças, de modo algum entrarão no Reino dos Céus”
(Mateus 18: 3-4). A imagem é clara: o iniciado do primeiro grau é puro como
uma criança. O foco da sua consciência nasceu no nível do eu imortal. Sua
consciência pode ser ainda como uma criança indefesa, vivendo precariamente e
ameaçada por Herodes (o egoísmo circundante); mas já nasceu e está colocada no
centro da vida concreta, iluminando todas as coisas.
O segundo grande momento
da jornada evolutiva da alma avançada é simbolizado astronomicamente pelo
equinócio da primavera, em que o dia e a noite têm forças e dimensões iguais,
durante a fase crescente da luz. A palavra “equinócio” também tem origem latina
e significa “noite igual”. No Brasil, o equinócio da primavera abre em
setembro a estação em que tudo floresce.
A terceira etapa se abre
com o solstício do verão, que corresponde, no hemisfério sul, ao
nosso Natal. Aqui a duração do dia chegou ao seu ponto máximo e
começa a abrir caminho para o outono. O último grande evento do
ciclo é o equinócio do outono, quando a noite alcança o mesmo tamanho do
dia, a caminho do inverno que simboliza a morte. Cada inverno, por sua vez,
dará lugar a um novo renascimento.
A visão da jornada da alma
humana imortal através de quatro grandes iniciações, até atingir a perfeição, é
tão velha quanto a filosofia esotérica – e imensamente mais antiga que o
cristianismo. Muitos séculos antes da era cristã, a filosofia oriental já
tinha nomes sânscritos para os estágios superiores do caminho espiritual. Uma
quinta etapa, a “ressurreição de Cristo” é, na verdade, o
despertar já no reino divino – do grande adepto, mahatma, rishi
ou sábio, que teve sua condição humana “crucificada”, isto é, se
libertou da roda do renascimento obrigatório. Esta é a quinta
grande iniciação.
Vale a pena examinar o que
ensina a tradição esotérica. A primeira grande iniciação, srotapatti, é marcada
pela total ausência de egoísmo no coração do ser humano. A humildade,
simbolizada na linguagem cristã pela pobre manjedoura, assinala a
ausência de orgulho ou egocentrismo. A presença de vários animais em torno do
menino Jesus simboliza a comunhão essencial do iniciado com todos os seres. As
estrelas no céu mostram que esta unidade fundamental inclui o universo
inteiro. As forças poderosas mobilizadas para uma tentativa de frustrar o
seu nascimento simbolizam as provações e testes que a alma deve vencer.
Refletem, também, o fato de que uma grande iniciação é um momento de
fragilidade e vulnerabilidade, do ponto de vista do mundo externo.
Já a segunda iniciação,
sakridagamin, corresponde ao surgimento de um forte intelecto a serviço do
coração. É o equinócio da primavera, que traz o predomínio crescente da
luz. Na vida de Cristo, corresponde ao momento em que o menino
Jesus prega aos doutores no templo (Lucas, 2: 46-49). É o despertar da mente
superior, manas, a inteligência livre das aparências, ágil,
eclética, capaz de ver com clareza a mesma verdade essencial em todas as boas
religiões, ciências e filosofias. Para o iniciado do segundo grau, o
pensamento positivo e a ação solidária surgem naturalmente do fato de que ele
percebe, sem qualquer esforço, o total domínio da Lei do Equilíbrio
sobre a realidade aparente, cujas numerosas armadilhas só enganam o ingênuo e o
“astucioso”. Se a primeira iniciação faz enxergar toda vida do
ponto de vista da bondade, a segunda coloca uma inteligência de grande poder a
serviço do amor altruísta. É a primavera iluminando o mundo.
A terceira iniciação,
anagamin, corresponde, como vimos, ao solstício de verão. O sol chegou
ao auge e passa a preparar-se para a sua grande renúncia. Na vida
de Jesus, é a Transfiguração (Mateus, l7). Num alto monte, o rosto de Jesus
“resplandece como o sol”. Em seguida, ele percebe todo o sofrimento que o
futuro lhe reserva, sua própria morte e a ressurreição (Mt l7: 22-23). Ao
assumir a iniciação anagamin, a alma toma uma firme decisão de ir até o final
no doloroso sacrifício da sua condição humana, sabendo que o processo
culminará na crucificação da sua personalidade ou aniquilação do seu eu
inferior, para que possa renascer no mundo divino.
A quarta iniciação, de
arhat, corresponde astronomicamente ao equinócio de outono, e, na vida de
Jesus, à crucificação. É a chegada da morte, ou inverno, o que
possibilitará o renascimento ou ressurreição além dos limites do universo
conhecido. Aqui a alma morre definitivamente para as experiências do reino
humano. A quinta iniciação, aseka, corresponde à ressurreição. O adepto, o
mahatma, o rishi, o Imortal – simbolizado por Jesus no Novo Testamento
– ressurge em um reino superior ao humano e está livre do
sofrimento tal como o conhecemos, mas ainda guia nossas almas no caminho
do bem.
Há pelo menos duas
conclusões práticas a serem tiradas desta jornada mágica das almas mais
evoluídas da nossa humanidade.
A primeira delas é que
podemos preparar-nos desde já para metas divinas, mesmo que elas sejam
distantes. Esta opção terá efeitos positivos imediatos em nossa vida. No
momento atual da evolução humana, os espiritualistas não-dogmáticos
– capazes de aproveitar o que há de melhor em
diferentes religiões, ciências e filosofias – podem preparar-se
ativamente para a primeira grande iniciação. Mas não convém ter muita pressa. A
ignorância espiritual só desaparece aos poucos, e o processo preliminar
requer, sem dúvida, várias vidas.
Segundo a filosofia
esotérica, a alma humana não interrompe seu aprendizado espiritual ao final de
uma única existência. Ela renasce repetidamente para ganhar mais
experiência e avançar em direção à luz, até alcançar a proficiência
– o “adeptado” – e completar o ciclo evolutivo do reino humano. A cada
nova encarnação, o aprendizado espiritual é retomado no ponto em que se
interrompeu na vida anterior, embora as circunstâncias externas possam
ser completamente diversas. Depois haverá outra encarnação, e
outra, até as várias iniciações. Finalmente virá a libertação
definitiva das limitações humanas. Na visão integral e transcendente
proposta pela filosofia esotérica, a vida no planeta Terra
constitui uma única e grande onda evolucionária que faz parte da vida
mais ampla do cosmo. Em nosso pequeno jardim planetário, as vidas
vegetais estão a caminho do reino animal. As almas dos animais estão a caminho
do reino humano. Do mesmo modo, nossas almas humanas avançam,
lentamente, em direção ao mundo divino. Assim é que circula a
luz divina pelo universo, reciclando eternamente espírito e matéria.
Preparar-se para a
primeira grande iniciação, srotapatti, é abrir terreno para o Natal
Interior, isto é, o nascimento de Cristo em nosso próprio coração.
Porque, se não encontrarmos o Mestre dentro de nós, “é inútil procurar em outra
parte”, como ensina o livro “Luz no Caminho” [2]. Este é o caminho da
purificação. É desenvolver a humildade necessária para, primeiro, observar
serenamente o movimento do egoísmo dentro de nós, e depois libertar-nos passo a
passo do emaranhado de interesses e preocupações egocêntricos, colocando-nos a
serviço da verdade e da justiça em todas as dimensões da vida. Assim,
aprendemos a identificar-nos com a vida maior e não com a vida pequena ou os
impulsos animais de busca de segurança e fuga das expectativas de dor.
A segunda conclusão
prática é que a história do Novo Testamento simboliza a vida de todos nós.
De certa forma, podemos viver hoje, em nossas vidas
diárias, amostras pequenas, mas poderosamente inspiradoras, do
significado das cinco grandes iniciações. Os mistérios eternos estão sempre ao
nosso lado, prontos para a eventualidade de despertarmos, e inspirando-nos em
tudo o que é possível. Quem sabe se agora não é o momento?
Ao final de cada ano ou de
cada etapa em nossas vidas, seja ela grande ou pequena, podemos fazer um
inventário e perguntar-nos pela nossa capacidade de nascer e renascer a
cada dia como crianças livres do passado e dos processos de rancor,
ódio, cobiça e outros sentimentos negativos. Como vive a criança divina em
nosso interior? Ainda sabemos renascer?
É possível antecipar algo
da segunda iniciação e avaliar, periodicamente, como anda nossa coragem de
buscar a verdade, de olhar a realidade além das nossas opiniões e idéias fixas
prediletas, de estudar coisas novas e abrir rumos renovadores à nossa vida
intelectual, optando pela inteligência do coração e não pela astúcia da mente
egoísta. É possível, nos aspectos da vida em que já podemos
ver o anúncio do outono e do inverno, tomar uma firme decisão de renunciar a
tudo o que não é de fato nosso, e a cooperar com a vida mesmo quando ela não
nos beneficia dando coisas agradáveis, mas nos ensina pelo caminho do desapego
e do sacrifício. Assim estaremos vivendo, hoje mesmo, uma parcela infinitamente
pequena, mas útil, da terceira iniciação.
Podemos avaliar também as
várias e dolorosas “crucificações” que já vivemos nesta vida. Quantos
desesperos e derrotas? E quantas lições aprendidas? Qual nossa atitude quando
experimentamos crucificações, traições e injustiças? Permanecemos
no território da verdade, da ética e do amor altruísta? E quantas vezes,
depois da tempestade e da cruz, veio a bonança da ressurreição? Quantas
vezes uma nova etapa da vida, primaveril, cheia de promessas e potencialidades,
abriu-se inesperadamente diante de nós, apenas porque havíamos sabido sofrer
sem ódio ou desespero? A ressurreição é um Natal em um nível mais
elevado, assim como o Natal é a promessa da ressurreição total a que nossa alma
terá direito um dia.
Por outro lado, o Natal
ocorre pouco antes do Ano Novo. Essa proximidade parece refletir
sincronicamente o fato de que o nascimento de uma nova consciência, mais sábia,
sempre nos abre a possibilidade de um novo começo prático em nossas vidas.
Assim, o melhor presépio está em nossos corações e mentes. É ali que acontece,
a cada dia, o milagre do nascimento. E da iniciação.”